O vampiro que resistiu ao tempo e ao mundo (II)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de janeiro de 1980
É lamentável que "Drácula" (auditório Salvador de Ferrante, 21 horas) não tivesse sido montado um ou dois anos antes. O texto de Eddy Franciosi foi escrito no Carnaval de 1976 e mesmo reconhecendo que o próprio autor o fez hibernar algum tempo, algumas cópias já circulavam, desde 1977, entre os produtores-diretores do Paraná. entretanto até que Antônio Carlos Kraide se decidisse em correr o risco de enfrentar uma produção cara como esta - e sentisse também as possibilidades do espetáculo chegar ao grande público - ninguém se interessou por esta nova versão do personagem criado há 103 anos por Bram Stocker. E o sentido político, a ironia, a crítica inteligente que Eddy Antônio Franciosi faz nos dois atos de "Drácula" tornam uma peça politicamente atual, com um humor de fácil absorção. Aos intelectuais de nariz torcido, a esquerda festiva e permanentemente contestatória a trabalhos locais, talvez o sentido político que Franciosi deu ao seu texto possa parecer óbvio e mesmo folhetinesco. Mas é preciso também entender que mesmo com toda abertura e a enxurrada de peças declaradamente políticas - denunciando torturas, seqüestros, desaparecimentos etc. - é sempre positivo saber fazer de um tema clássico, no caso a lenda do conde da Transilvânia que sobrevive várias gerações sugando o sangue de seus súditos, para a nossa realidade.
Só este aspecto já justifica e valoriza a montagem do grupo Prisma - que deverá permanecer em cartaz até o dia 27 de fevereiro. Mas há outro aspecto que nos parece importante: é uma encenação que reconcilia o público tradicional com o teatro. Ao longo dos anos, as mais discutíveis experiências de teatro de vanguarda, de substituição da interpretação pela dita "expressão corporal", distanciamentos críticos (sic) entre outras adjetivações, foram colaborando para que o hermetismo de certos autores-diretores fosse fizesse com que a platéia mais convencional de espectadores deixasse de comparecer aos teatros, preferindo o conforto da televisão e, no máximo, os filmes de sucesso. Pessoalmente sempre defendemos as novas propostas de linguagem na arte, desde que substanciadas em uma base real de conhecimento de experiência. Discordamos, entretanto, da vanguarda pela vanguarda, simplesmente quando esta busca encobrir a incompetência, a falta de experiência e mesmo a falta de maior honestidade do autor / diretor. Antônio Carlos Kraide, 33 anos, que desde a segunda metade dos anos 70 vem se dedicando com afinco a fazer teatro no Paraná, pode ter cometido alguns equívocos - como quando aceitou o risco de tentar levar ao palco a tragédia que foi a opereta "Telemaco" (mas aí a culpa não lhe cabe totalmente, mas a produção e mesmo as imposições "artísticas" que foi obrigado a aceitar). O fato é que o saldo do trabalho de Kraide é [positivo]: inteligente, criativo, humilde quando necessário (prova que aceitou ser assistente de Emili Di Biasi na montagem de "O Contestado", por sinal em cartaz no teatro Glauce Rocha, Rio de Janeiro, dentro do Projeto Mambembão e a partir do dia 6 no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo); Kraide é hoje um de nossos homens de teatro de maior confiabilidade. E partindo do texto de Eddy Franciosi criou um espetáculo com elementos que possibilitam que ele chegue a várias camadas de públicos. Há uma história convencional - para quem exige início, meio e fim de um espetáculo, há cenários tradicionais, um guarda-roupa cuidadosamente pesquisado (como faz sempre Luís Afonso Burigo), efeitos especiais e sonoplastia do maior ajuste e, sobretudo, um elenco altamente profissional.
Tudo isso contribui para que os dois atos passem rapidamente, fazendo o espectador rir e pensar, ao mesmo tempo que redescobre que o Drácula não era tão mau assim e que a Transilvânia não está distante quanto se pensou por quase um século
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