O Vanguardista Gilberto Mendes
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de janeiro de 1980
Se mesmo a música dos grandes mestres brasileiros - como Villa-Lobos, cujo 20º ano de falecimento transcorreu no ano passado, Mignone, Guarnieri e tantos outros, têm raríssimas gravações no Brasil, imagine-se, então, a dificuldade dos compositores de vanguarda, com propostas novas, chegarem a registrar em elepes os seus trabalhos. Só mesmo quando há um produtor da visão e abertura cultural de Maurício Quadrio, isto se torna possível. E Marlos Nobre, hoje o nome de maior projeção da chamada música contemporânea brasileira, tem tido em Quadrio um dos apoios para que suas peças possam sair em elepes - hoje já com reconhecimento internacional. Felizmente, não só Nobre, mas outros autores contemporâneos, começam também ter suas peças editadas pela Odeon, onde desde novembro/1976, Quadrio é responsável pelo setor de obras especiais. No ano passado, Gilberto Mendes, 57 anos, paulista de Santos, 39 anos de vida musical, ex-aluno de mestres da música contemporânea como Henri Pousseur, Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen, que em 1974 ganhou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, pela melhor obra experimental, com "Santos Football music" (executada pela primeira vez em 1973, Varsóvia, sob a regência de Eleazar de Carvalho), tem finalmente um disco registrando seus trabalhos altamente experimentais - mas que necessitam ser conhecidos. Assim, numa produção de Quadrio, com a parte executiva do próprio Mendes, temos o Madrigal Ars Viva, sob regência de Roberto Martins, interpretando quatro de seus temas: "Ashmatour", "Motet em Ré Menor", "Nascemorre" e "Vai e Vem", enquanto o pianista Caio Pagano, professor do departamento de música da UDP, compositor, regente, faz o solo de "Blirium C9", com 13 minutos. O Madrigal Ars Viva, fundada há 19 anos por Gilberto, Willy Correa de Oliveira e maestro Klaus Dietter Wolff (que o regeu até 1974), quando faleceu, se projetou nesta duas décadas pelo trabalho pioneiro da música coral brasileira, estreando as primeiras peças aleatórias e microtonais escritas no País. Posteriormente divulgou um repertório bastante extenso de peças de ação musical (teatro musical contemporâneo) - que abrange desde John cage e Yoko Ono até o grupo espanhol Zaj e compositores brasileiros - estendendo sua linha de atuação experimental às pesquisas precursoras da "multi-média". E assim, o Madrigal Ars Viva aqui interpreta peças como "Ashthmatour", que Mendes compôs em 71 sobre texto publicitário de Antonio José Mendes, "Vai e Vem", de 1969, sobre 3 poemas concretos de José Lino Grunewald, "Nascemore", de 63, sobre poema de Haroldo de Campos e a bem humorada "Motet em Ré Menor", de 66 vom poema concreto de Décio Pignatari - é que tendo por tema a frase "Beba Coca-Cola", acabou provocando até tentativa da indústria de refrigerantes em proibir sua divulgação. Como documento de uma nova proposta musical, raramente editada em lp no Brasil, este lançamento da Odeon, com composição de Gilberto Mendes, fica entre o que de melhor aconteceu no ano passado.
Enviar novo comentário