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Os judeus paranaenses (III)

A dissertação de mestrado sobre a comunidade judaica em Curitiba, defendida há tres meses pela professora Regina Rotenberg Gouvea, do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, serviu para confirmar algumas premissas conhecidas e também revelar alguns aspectos inéditos ou ao menos pouco divulgados. Filha de Israelitas, meticulosa em sua pesquisa. Regina ofereceu um trabalho cuidadoso, merecedor de uma edição de nível nacional considerando especialmente a inexistência de estudos a respeito, mesmo em cidades onde é maior a presença de israelitas, como São Paulo e Porto Alegre. Num dos capítulos, Regina Gouveia estuda a mobilidade ocupacional da comunidade que estudou, confirmando o óbvio: a ocupação predominante entre os judeus instalados em Curitiba é o comércio. Há 3 anos, Henrique Rattner, em "Tradição e Mudança" - um dos poucos estudos na mesma área, já publicados (Editora Ática, 1977), afirmava: "Vindos do Stetl", das pequenas cidades da Polônia e da Rússia, ou ainda das grandes metrópoles cosmopolitas da Europa Central, os judeus estavam acostumados com ambientes urbanos e viviam neles desde a Idade Média. Estavam, por isso, perfeitamente preparados para preencher o papel de intermediários". A experiência rural era praticamente inexistente entre eles, dada a interdição à posse da terra em seus países de origem. A experiência industrial, ainda que eventualmente pudesse ter sido vivida antes de chegar ao Brasil, não encontraria correspondência em capital e infra-estrutura apropriados para o empreendimento, uma vez que, até a década de 1960, a participação da indústria de transformação no conjunto da produção paranaense era insignificante. Por outro lado, as dificuldades de língua, o pequeno número de jovens em idade de frequentar uma universidade e a ausência de formação colegial anterior da maior parte dos adultos, fizeram com que, até o fim da II Guerra Mundial, houvesse um contingente muito pequeno de profissionais liberais ou profissionais de nível superior. A opção pelo comércio passou, então, a ser natural. No início, na intermediação entre a cidade e o campo. Depois, na capital, com o comércio ambulante - "klienteltshik" (vendedor ambulante que vai de casa em casa para vender sua mercadoria) - que foi a forma originária de acumulação de capital entre os membros da comunidade judaica. Tal comércio não exigia grandes reservas de capital. Muitas vezes os fornecedores, principalmente os judeus, davam prazos longos para o pagamento, bem como forneciam as mercadorias em consignação. Também não existiam gastos com instalações e demais despesas decorrentes, pois as mercadorias eram armazenadas na casa do próprio comerciante. Este vendia suas mercadorias a pé ou de charrete, de domicilio em domicilio. O aparecimento das lojas hoje os magazines e de algumas fábricas tiveram assim a sua origem. A professora Regina Gouvea conclui que até 1970, "o comércio continuaria ocupando a maior parte da população economicamente ativa da comunidade judaica em Curitiba". Há 10 anos, 37,2% dos homens e 15,5% das mulheres declaravam-se ligados ao comércio, sem contar um número indeterminado de mulheres que não indicaram uma atividade profissional definida. Entre 1930/1970 declina a participação dos comerciantes e dos industriais no conjunto da população economicamente ativa, dando lugar a uma ascensão continua dos profissioais liberais, em sua maioria médicos e engenheiros. As mulheres, em particular, passam a participar mais ativamente do mercado de trabalho, seguindo a mesma tendência geral do grupo. Xxx Há 50 anos eram raros os judeus no Paraná que não vivessem do comércio. A explicação é simples: pelas dificuldades de compreensão da língua, pela ausência de instrução anterior e pelo pequeno número de jovens com idade de frequentar uma universidade. Considere-se ainda que há 50 anos, o acesso à então UFP era ainda privilégio de uma minoria reduzida. Em 1945 já se observavam algumas mudanças na estrutura ocupacional dos judeus em Curitiba. Os comerciantes homens sofrem uma baixa de 12,2% em seus contingentes, enquanto que a participação dos profissionais liberais aumenta 6,2%. Entre as mulheres já começa a aparecer esta ocupação (3,3%). Essa categoria ganha expressividade com a presença dos jovens que optam pelas profissões de curso superior. Os industriais têm a sua participação ampliada em apenas 0,5%. Essa pequena parcela da população judaica se estabelece em ramos como o do mobiliário e da alimentação, principalmente. Até o fim dos anos 50, a industrialização no Paraná era pouco desenvolvida e o café era a principal atividade. Nos últimos 20 anos, a comunidade judaica se destacou nos setores de profissões liberais. Mas ainda é expressiva sua participação no comércio - 37,2% para osexo masculino e 15,5% para o sexo feminino. Mas salienta a professora Regina: "as profissões de nível superior parecem estar exercendo uma atração msior sobre as demais ocupações. Ser "doutor" em engenharia e em medicina coloca-se nesta época como uma aspiração dos jovens judeus. São as profissões proporcionadoras de "status", ou seja, a formula de ascender na escala social por meio da educação. Aliás, preocupação presente na sociedade brasileira como um todo. Torna-se importante ressaltar que a comunidade judaica de Curitiba vem abandonando seus traços ocupacionais judaicos, sintoma talvez de integração, pois, pelo menos nesse particular, nada os distingue do restante das classes médias da cidade. A tendência é no sentido não mais do judeu comerciante ou industrial, instalado atrás de uma máquina registradora ou carregado de roupas pelas ruas, mas do profissional de nível superior que, dada a possibilidade de frequentar as universidades, se insere como profissional liberal". xxx Quando os Flks e, especialmente, Max Rosenmann chegaram a Curitiba, há 91 anos, não imaginaram que menos de um século depois, a comunidadejudaica desfrutaria de uma posição tão importante. Os netos do pioneiro Rosenmann são hoje donos de uma das maiores cadeias de joalherias do País, enquanto outras famílias viram seusfilhos, formados na universidade, se destacarem como profissionais liberais e na vida pública. Poucas cidades tiveram nos últimos anos uma presença tão destacada de israelitas em cargos oficiais: Jaime Lerner e Saul Raiz na Prefeitura, Maurício Schulmann, hoje na presidência da Eletrobrás, entre outros. E o sonho de chegar ao governo, tanto para o ex-prefeito Saul, como para o atual, Lerner, não é mais tão distante, como há uma década. Tudo uma questão de oportunidade...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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20/08/1980

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