Fanchette, a orfandade dos que amam Curitiba
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de agosto de 1989
No sábado, 26, após jantar com um casal de amigos, o ex-prefeito Saul Raiz, trafegando pela Souza Naves, chocou-se ao ver uma anti-estética faixa cruzado a avenida - o que contraria o código de posturas municipais. Comentou com a esposa Mirtez e os amigos que ocupavam o banco traseiro do carro:
- "Vejam só! Precisamos telefonar para a Fanchette".
Mesmo sabendo que a sua amiga Fanchette Rischbietter encontrava-se gravemente doente, a ligação que Raiz fez, automaticamente, com alguém que sempre simbolizou o carinho e o cuidado pela cidade foi com ela - e não com o prefeito Jaime Lerner ou mesmo com o setor competente da Prefeitura que deveria zelar para que a cidade tivesse melhor aspecto.
Domingo ao entardecer - quando o sol se punha formando uma visão de cores tão lindas quanto uma aquarela de Paul Garfunkel, Saul e muitos amigos de Fanchette recordavam, no Cemitério Parque Iguaçu, uma das pessoas que mais amou e fez por Cidade Sem Portas.
Mais do que a engenheira da turma de 1950 da Universidade Federal do Paraná e que a partir de 1948 começaria a dar a sua contribuição à Prefeitura, numa época em que as funções destinadas às mulheres se limitavam as de secretárias e datilógrafas - a assessora que seria um dos pilares do que se fez em planejamento urbano na cidade - Francisca Maria foi uma mulher que, sem pretender cargos ou funções, acabaria por influir no muito que de melhor Curitiba teve a partir dos anos 60 em termos de qualidade de vida.
Saul Raiz, 59 anos, seu colega de escola de engenharia - se formaria em 1951, um ano depois, e na Prefeitura (onde ingressou como topógrafo em 1949, também um ano depois de Fanchette), emocionado, definia numa frase o significado da técnica, amiga e posteriormente sua assessora quando foi Prefeito:
- "Ela sempre foi uma espécie de freio, de consciência crítica, tanto para mim como para Jaime (Lerner). Jamais deixou de fazer suas colocações com a maior sinceridade e sempre com o bom senso que tão bem a caracterizava".
Justamente esta característica de dizer sempre o que pensava, sem preocupação de ser (ou parecer) simpática, era lembrada, por todos, como uma de suas maiores virtudes. Sabendo dizer o que pensava, mas sem jamais deixar de lado um toque de ironia e mesmo humor - herança de sua mãe, outra mulher que deixou sua presença ligada ao Paraná - madame Helene Garfunkel, Fanchette sempre trazia a ponderação, o equilíbrio, o bom senso nas mais delicadas questões - especialmente no que se relacionava a urbanismo e planejamento, embora, com sua cultura humanista e visão do mundo - além de uma natural observância política - pudesse opinar sobre qualquer assunto.
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Francisca Maria Garfunkel Rischbietter (Dra. Fanchette) - cuja morte, às 4h30 de domingo, 27, deixou uma espécie de orfandade afetiva a centenas de pessoas que tiveram o privilégio (e a felicidade) de conhecê-la ao longo de sua vida, era a confirmação viva de que tem razão a frase de que "por trás de um grande homem, sempre há uma grande mulher". O engenheiro Karlos Rischbietter, 61 anos - e que se encontrava no sábado, participando da reunião do conselho de cúpula da Volvo, na Suécia - teve em Fanchette mais do que a esposa e mãe dos seus dois filhos, Mônica, 28 anos completados no domingo e Luca (Luís Carlos), 27 - a companheira e incentivadora em sua brilhante vida pública, que passou por alguns dos mais altos cargos do país.
Também para Karlos, Fanchette foi sempre a companheira e a crítica, quando necessária, o que o fez sempre um homem da maior competência em momentos dos mais difíceis - e de decisões importantes.
Aos 30 anos de casados - a cerimônia foi no Consulado do Brasil, em Paris, na primavera de 1959, como recordavam Saul e Mirtez Raiz, que foram seus padrinhos - Fanchette e Karlos passaram por muitas cidades em função de atividades profissionais, mas sempre mantiveram a simplicidade das pessoas autênticas.
Fanchette, desde seus tempos de, ainda estudante de engenharia, e começando a trabalhar na Prefeitura, depois no Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano - de cuja equipe de fundadores foi uma das participantes - sempre estava naquela condição de técnica preocupada basicamente com a cidade, incapaz de transigir um milímetro naquilo que considerava certo. Assim, não foram poucas vezes, naturalmente, que aconteceram choques de percurso com políticos - e mesmo superiores hierárquicos - que viam em sua aparente intransigência, obstáculos para soluções urbanas que, no fundo, contrariava o que entendia como melhor.
Jaime Lerner, que teve a felicidade de com ela muito aprender em matéria de urbanismo - e convivendo no Ippuc, primeiro como colega, depois como presidente daquele órgão - ganhou graças a sua competência e dedicação, um dos sustentáculos de muitas metas alcançadas em suas duas primeiras administrações.
Aposentada há 5 anos da Prefeitura, e já debilitada pela doença que, com uma imensa energia, enfrentava desde 1985, Fanchette não deixou de, novamente, voltar a integrar a equipe técnica de Jaime - contribuindo nestes primeiros 8 meses de administração com todas suas forças. Anteriormente, Fanchette não esteve inativa: em sua imensa generosidade e preocupada que o jovem vereador Rafael Greca de Macedo tivesse uma boa atuação na Câmara, graciosamente o assessorou. O que de melhor Rafael fez em sua atividade parlamentar deve aos sábios conselhos de Fanchette - e não são poucos os que atribuem os erros e desgastes que o agora deputado vem sofrendo, nestes últimos meses, pela falta que Fanchette fez em seu escritório. Reconhecido, entretanto, pelo muito que Fanchette lhe auxiliou, o deputado Greca de Macedo estava, olhos lacrimejantes, entre os amigos que se despediam na manhã de ontem, no Cemitério Parque Iguaçu, da amiga desta cidade.
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A advogada Maria Elisa Paciornik, presidente do Instituto de Administração Municipal, amiga de muitos anos de Fanchette, definia o que ela significou:
- "Ela nos deixa, todos, na orfandade da amizade".
Difícil sintetizar num curto texto, para quem não conheceu Francisca Maria, sua importância, dentro de uma cidade. Mais do que uma engenheira e técnica, amiga de todas as horas, ela foi, nos anos em que deu o melhor de si para a cidade que era sua - ela que nasceu em Santos, em 29 de setembro de 1929 - uma pessoa de magia na praticabilidade, no bom senso, no amor que é necessário - e que se torna cada vez mais difícil encontrar - para que as pessoas sobrevivam.
Por tudo isto, seu caixão, com a bandeira da Cidade de Curitiba, ao ser coberto pela terra - levou apenas o seu corpo. Sua presença, sua inteligência e o seu profundo sentido de amor à Curitiba, aqui permanecerão.
LEGENDA FOTO - O permanente amor pela cidade.
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