Passagem para o talento
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de maio de 1976
Os aplausos do público, em pé, por mais de um minuto, domingo a noite, ao final de "Castro Alves Pede Passagem", por certo devem ter traduzido, pela enésima vez, ao autor-diretor-intérprete Gianfrancesco Guarnieri, 41 anos, 25 de vida teatral, a certeza de uma verdade: a linguagem simples e verde-amarela é, ainda, a melhor maineira de comunicar-se com o público.
Remontada 5 anos após ter conquistado praticamente os mais importantes prêmios teatrais, no ano em que se comemorava o centeário de nascimento de Castro Alves (1871-1895), esta peça somente cresceu com o tempo e adquire, agora, contornos ainda mais nítidos e importantes dentro da nossa realidade.
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Da limitação da arena, para a qual foi concebida originalmente, "Castro Alves Pede Passagem" está mais liberta, mais ampla na extensão do palco convencional - inclusive no imenso auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, onde, se por um lado, dimunuiu o ângulo de visão dos belos (e portáteis) cenáros do paranaense Elifas Andreatto, permitiu, ao mesmo tempo, o máximo de movimentação do elenco. Da abertura carnavalesca, com um autêntico samba-de-enredo, ao final, "Castro Alves Pede Passagem" é um espetáculo-verdade, verde-amarelo, até a [medula], numa linguagem despojada, simples, direta, sem encucações e hermetismos que tem feito soçobrar tantas tentativas de revisões históricas. Guarnieri é seco e direto: com bom humor, apanhando a linguagem da massa - e a colocação da vida de Castro Alves num programa de televisão estilo Sílvio Santos é um achado. Hoje ainda mais descontraído do que há 5 anos passados, o enfoque cafona dos porogramas de auditório de televisão, com seu "mondo cane", seus [júris] humilhantes e todo folclore característico passa perfeitamente ao longo de quase 2 horas desta peça - na qual o público indentifica-se e , animando-se acaba participando, dentro do verdadeiro espírito pertendido por Guarnieri.
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Já tendo retirados de fatos históricos temoas de duas outras peças que modificaram o teatro brasileiro - "Arena conta Zumbi" e "Arena Conta Tiradentes", a primeira numa feliz parceria musical com Edu Lobo, Guarnieri domina, como poucos, a linguagem teatral e o aproveitamento musical. Trabalhnado com Lobo, Carlos Lyra ou, nos últimos anos, com Toquinho (Antonio Pecci Filho) , suas peças aproveitam a música sem se tornarem simples musicais. A música integra-se ao clima dramático, a linguagem do espetáculo, não interferindo e não prejudicando em nenhum momento. Isso sentiu-se sobretudo em "Um Grito Parado no Ar" e "Botequim" duas de suas últimas experiências - e repete-se agora, nesta remontagem de "Castro Alves": trabalhando em playback, com um elenco em que não há cantores, todos os momentos musicasi são perfeitos - chegando a emocionar o público, com a canção mais conhecida, já gravada inclusive em lp por Toquinho: "Meu Tempo".
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O domínio completo da linguagem teatral, da síntese necessária pode-se ver, mais do que nenhum outro instante, na sequência em que tio revolucionário do poeta, João José rememora, com o pequeno Secéu, a manifestação nacionalista que provocou num teatro. Em menos de 3 minutos, toda uma atmosfera "passa" ao espectador - e completa-se com a inclusão de um dos mais belos poemas de Castro Alves. Não poderia haver melhor clímax para particamente encerrar o primeiro ato.
Reconheça-se que a qualidade do espetáculo deve muito a experiência do elenco, síntese de dois dos mais importantes grupos já existentes no Brasil: Renato Borghi (apresentador) e sua esposa Ester Goés (cantora, Pórcia, tia do poeta), vindos do Oficina; Guarnieri, fundador do Arena (e que, com perfeição, interpreta 5 diferentes personagens: telespectado, majos Silva Castro, João José, Furtado Coelho e Fagundes Varela), somaram suas experiTencias, reforáda por Othon Bastos (perfeito na figura do poeta) e sua esposa, Martha Overbeck (Clélia Brasília, mãe do poeta; Eugênia Câmara, o grande amos do poeta). E para o elenco de suporte, outros inérpretes, menos conhecidos, mas igualmente excelentes: Walter Breda no irritante (e epiléptico) José Antonio de Castro Alves, Paulo Deo (Leonino Caguçu e orador), Flávio Dias e Augusto Geraldine.
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"Castro Alves Pede Passagem" é uma peça brasileira, na linguagem simples, aprendida pelo seu autor, Guarnieri, nos botequins da vida ( "da geração da Brahma, caipirinha e batida de limão", como diz no pessoal texto do programa). E, com honestidade e sinceridade, a estória do peta revolucionário que lutava pela abolição da escravatura, passa para o público - hoje, como em 71 - e como em qualquer época em que ainda sobreviva a emoção e a razão.
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Como tudo o que é bom dura pouco, "Catro Alves Pede Passagem" teve apenas duas apresentações (domingo e segunda-feira). Amanhã já estréia em Porto Alegre.
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