Quando os jovens têm que se tornar adultos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de março de 1986
De princípio, o título feliz. Tanto no original - "St. Elmo's Fire" - o imaginário fogo que faz os marinheiros se orientarem em seus momentos de desespero - como no Brasil - "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas" (uma inteligente adaptação da frase-verdade: "Hoje é o primeiro dia do resto de nossas vidas..."). Depois, a temática: a juventude e suas inquietações: angústias, medos, caminhos e descaminhos.
Não chega, obviamente, à dimensão da obra-prima "Amigos Para Sempre" (Four Friend's/Georgia's Friends, 1982, de Martin Rilt) - que tinha uma visão panorâmica, ao longo de vários anos na vida de quatro jovens que buscam o american dream. Também não é tão conciso como "O Reencontro" (The Big Chill, 84, 84, de Lawrence Kasdan), no qual, a morte de um ex-colega de faculdade, faz um grupo de ex-companheiros de bancos escolares reunirem-se por um espaço de 72 horas, na casa de um deles. Entretanto, "St. Elmo's Fire" tem muito da emoção e sinceridade que caracteriza uma das mais louváveis preocupações do atual cinema americano: debater os problemas e angústias de uma geração inquieta que, passada a guerra do Vietnã, próxima a um novo milênio, busca seus caminhos.
Filmes como "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas" dependem, basicamente, do roteiro que estabeleça uma sincera empatia entre personagens - espectadores. Independente das limitações geográficas/temporais, o que importa é o sentimento e a carga humana que se passa na ação conduzindo os diferentes personagens. Cineasta vindo do cinema publicitário e só agora chegando ao Brasil (seu primeiro longa, o elogiado "The Incredible Shrinking Woman", não chegou a ter exibição em nossos cinemas), Joel Schumakacker tem boa experiência de roteirista ("Car-Wash", "The Wiz", entre outros bons trabalhos) e conseguiu desenvolver bons tipos - embora estereotipados em certos momentos e com uma visão conformista ao final. Entre a irresponsabilidade do músico Billy Hixx (Robe Lowe, um bom ator já visto em "Hotel Muito Louco", no ano passado) ao ambicioso e frio Alec Newberry (Judd Nelson), capaz de sacrificar ideais partidários por uma melhor oferta de emprego, os personagens mais interessante são os femininos. Jules Van Patten (Demi Moore, belíssima atriz), em sua sofisticação e liberação sexual - na verdade, uma fachada para disfarçar sua fragilidade - parece uma personagem saída de "O Grupo" de Mary McCarthy (filmada por Sidney Lumet em 1966), enquanto que a frágil, doce, sonhadora e - inacreditável! - virgem Wendy Beamish (Mare Winningham), filha de uma rica família judaica, em sua paixão por Billy, lembra uma heroína daqueles filmes que a Warner e a Paramount realizavam há 30 anos passados. Em termos humanos é Leslie Humphries (Ally Sheedy, uma graça de atriz, vista em "Jogos de Guerrra/Wargames", 1984, de Johnm Badham) a figura mais importante neste "St. Elmo's Fire" - em contraposição ao romantismo de Kirbo Kager (Emílio Esteves) em sua paixão pela sensual Dale Biberman (Andie MacDowell) e ao inseguro Kevin Dolenz (Andrew McCarthy), redator de obituários de um jornal em busca de seu "sentido da vida" - só encontrado após um encontro sexual com Leslie, amante de seu melhor amigo. Em todos os personagens, uma dose até exagerada de romantismo: paixões de maior ou menor intensidade que conduzem as reações de cada um, limitando, mesmo, maior envolvimento em outras áreas. A idéia de um bar - no caso o St. Elmo - ser uma espécie de cenário central da ação, o ponto de dúvidas e sonhos (e, em todo o mundo, bares sempre são espaços para encontros & desencontros de almas sensíveis) não tem, por exemplo, a mesma empatia de outro filme sobre o mesmo tema - "Quando os Jovens se Tornam Adultos" (Dinner, 82, de Barry Levinson), que há muito já deveria ter sido reprisado. Falhas à parte, "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas" (Cine Astor, 2ª semana) vale, de qualquer maneira, ser visto. Ao menos pela reunião de tantos atores e atrizes promissores, uma bela fotografia mostrando arredores de Washington, D.C. e a apropriada trilha sonora, com destaque para o belíssimo "Just For A Moment" (David Foster/Cynthia Weil), que nos faz lamentar que a sound track de "St. Elmo's Fire" não tenha sido editada no Brasil.
LEGENDA FOTO 1 - Jules, Wendy e Leslie: três jovens americanos em busca de seus caminhos. Personagens marcantes de "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas", em exibição no Astor.
Enviar novo comentário