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Aramis

Riad, a corrupção e o folclore universitário

Em apenas quatro meses ocupando a nem sempre cômoda poltrona de magnífico da septuagenária Universidade Federal do Paraná, o reitor Riad Salamuni já chegou há algumas conclusões. De princípio, mesmo não desejando assumir o papel de inquisidor-mór, ele que por sua formação liberal e progressista, sempre foi um democrata em todos os sentidos, está tendo que usar a mão-de-ferro na condução de inquéritos que mostram os preocupantes níveis de corrupção que existiam nos vários setores da universidade. Dos mais altos escalões até pequenas irregularidades, o professor Salamuni surpreende-se ao nível que chegou a irresponsabilidade dentro de uma instituição que, pela sua tradição e representatividade, deveria estar acima de fatos vergonhosos, dignos da mais sensacionalista página policial. xxx Homem práttico, geólogo de formação, acostumado, portanto a ver as coisas de forma concreta, Riad Salamuni está desburocratizando ao máximo os processos, procurando, no mínimo, afastar os envolvidos e punir, com todo o rigor que a legislação permite, os culpados. Mas há os casos cabeludos, de enriquecimentos ilícitos, desvios de verbas, que envolvem gente poderosa, de altos contatos e mesmo mantos protetores que vêm desde os anos de arbítrio (e que, por incrível que pareça, ainda manipulam cordéis dentro dos labirintos universitários). Estes processos estão sendo encaminhados à Polícia Federal, capaz de, com maiores poderes, denunciar, no momento preciso, quem de fato cometeu irregularidades. xxx Se de um lado, há este mar-de-lama de corrupção, que Riad Salamuni confessa que, jamais imaginou encontrar na mais antiga das universidades brasileiras, existe também o trabalho do dia-a-dia, que faz com que seu gabinete fervilhe de partes da manhã à noite. Sem querer perder-se atrás de montanhas de processos burocráticos - o que tanto prejudicou um de seus antecessores, o simpático Ocyron Cunha, Salamuni também não se descuida de examinar criteriosamente os milhares de papéis que passam por sua mesa de trabalho. Em sua [maneira] objetiva e sincera, diz: - Quero ser justo. Evitar enganos. A cada um, o seu direito. xxx Homem que sofreu nos anos duros da repressão, integrando ao lado de alguns outros (poucos) mestres da universidade, o grupo de mestres que sempre mantiveram a dignidade pela defesa de suas idéias - como o mineiro Newton Freire Maia - Riad Salamuni sabe que hoje vivemos novos tempos. E por isto, reunindo todo seu bom humor, paciência e humildade franciscana, tem recebido delegações de estudantes que, representando as mais diferentes facções políticas, o procuram em seu gabinete. No primeiro dia em que compareceu como reitor, Riad recebeu um grupo de radicais. Jovens barbudos, garotas propositalmente desleixadas, identificaram-se como uma ala dissidente dos partidos (hoje legais) PC-PCB - e foram logo dizendo, lembrando a piada do náufrago espanhol, que chegando a uma ilha habitada, perguntou se havia governo, para afirmar: "Soy Contra!" - Professor Salamuni, sabemos que o senhor é um homem honesto. Mas queremos lhe dizer que, de princípio, somos oposição ao senhor e a tudo que venha a fazer. xxx Dias depois, um grupo mais ponderado, de jovens acadêmicos que se identificaram como do PCB, o procurou e após alguns goles de café de confraternização, disseram: - Professor Salamuni, até agora em contrário, acreditamos em suas boas intenções. Não damos apoio imediato, mas ficaremos observando seu trabalho. E depois decidiremos. Passaram-se mais alguns dias e outro grupo de estudantes comunistas o procurou. A mesma recepção amiga e, Riad, um pouco confuso, julgando que eram da mesma tribo ideológica, disse que já havia dialogado com alguns de seus colegas, quando veio a informação assustadora: - Não. Nós somos contra eles. E se eles estão dispostos a aguardar, nós já tiramos qualquer apoio. xxx Mas nem só de apoios e oposições ideológicas vive o folclore do gabinete de um Magnífico Reitor. Dias atrás, uma senhora, em prantos, insistiu em falar com o reitor Riad. Seus assessores tentaram descobrir o assunto para, de forma prática, encaminhá-la a uma das pró-reitorias, que ocupadas por professores da maior confiança do reitor, estão tendo autonomia para decidirem muitos assuntos. A mulher se recusou a dar qualquer informação e insistia em falar "com o magnífico reitor". Riad acabou atendendo-a. Foi quando explicou o seu drama: - Sr. reitor! Meu marido era funcionário da universidade há 36 anos. Aposentou-se. Agora, ele fica o dia todo em casa, brigando, implicando, me chateando. Por favor, faça com que volte a trabalhar das 8 às 18 horas, como sempre fazia e era, então, um santo esposo. xxx Três funcionárias do Hospital das Clínicas também insistiram em terem uma audiência pessoal com o reitor. Pediram tanto que acabaram conseguindo um horário. Entraram timidamente no gabinete e, surpresas, olhavam, com o maior interesse os móveis, a decoração, os quadros nas paredes. O reitor Riad mandou servir cafezinho, conversou trivialidades com as funcionárias, procurando deixá-las à vontade - já que estavam tensas e emocionadas. Afinal, como não explicavam o motivo pelo qual haviam insistido tanto em lhe falar, Riad foi objetivo e perguntou: - Afinal, minhas senhoras, no que posso serví-las? Uma delas, uma senhora cinqüentenária, óculos de lentes grossas, meio gaguejando, explicou: - Magnífico reitor. O senhor nos desculpe. Mas é que nós trabalhamos no Hospital das Clínicas há mais de 20 anos e, durante todos estes anos, sonhávamos em conhecer pessoalmente um reitor em seu gabinete. Foi só por isso que pedimos esta audiência...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
31/08/1986

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