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Schulman, as memórias da comunidade israelita

Se o humor é uma das características do povo judeu, Bernardino Schulman é um exemplo de que a vida com graça rejuvenesce. Com extrema vitalidade, rosto sem rugas, aos 87 anos - comemorados no dia 15 de maio último, começa brincando com sua própria idade: - "Se meu pai não tivesse demorado, eu seria do século passado...". Uma das memórias da comunidade israelita no Paraná, ex-presidente do Centro Israelita, o "seo" Bernardino é consulta obrigatória para tudo que se relaciona a história dos judeus no Paraná, neste ano em que a comunidade comemora o centenário da imigração. Uma de suas primas-netas, a professora Regina Rotemberg Gouvêa, deve muito as suas lembranças as informações que possibilitou elaborar uma tese sobre os judeus que aqui chegaram e mesmo constituindo uma comunidade relativamente pequena ("não somos numerosos, nem ricos, apenas aparecemos bastante", brinca Bernardino) vem tendo uma participação intensa em nossa vida econômica, social e mesmo administrativa-política. Um dos dois filhos de Bernardino, é, por exemplo, o engenheiro Maurício Schulman, 57 anos, que já ocupou os mais importantes cargos (presidência da Copel, Secretaria das Finanças, Eletrobrás, BNH, etc.), e hoje é um dos diretores do grupo Bamerindus. Seu irmão mais velho, Saul, 59 anos, é empresário e pioneiro da piscicultura em larga escala no Paraná. - "Os meninos deram certo", brinca Bernardino, ressaltando que por terem feito suas próprias carreiras, seus filhos não dividiram com ele seus negócios: - "Sou um homem que começou vendendo grãos", lembrando seus tempos de juventude, em Araucária, onde seu pai, Bernardo, foi um dos primeiros comerciantes a trabalhar na venda de cereais, exportando inclusive para muitos países. Foi ali que Bernardino fez sua aprendizagem para o comércio, enquanto seu irmão mais velho, Leão, viria a se formar em engenharia e seria um dos grandes especialistas na área de energia elétrica. Foi o primeiro técnico a presidir a Copel e um de seus filhos, Roberto, é hoje diretor da Itaipu. A irmã, Ermínia, casaria com o médico e professor Abrão Ackerman (1914-1986), considerado um dos grandes neurologistas brasileiros. xxx Mais do que a crônica familiar dos Schulman, as lembranças de Bernardino enriqueceram mais um depoimento da série "Memória Histórica do Paraná", que com patrocínio do Bamerindus, vem ampliando cada vez mais o leque de entrevistados, perpetuando em som e imagem as palavras daqueles que, de uma forma ou outra, tiveram uma presença marcante no Paraná, nos mais diferentes setores. Histórias deliciosas contadas por Bernardino Schulman, permitindo inclusive a reconstituição de uma fase da vida curitibana - até hoje não estudada. Por exemplo, foi o seu sogro, Max Rosenman (1889-1941), que seria o primeiro judeu a se estabelecer no comércio da Rua do Rosário, numa grande área onde hoje existe a loja Prosdócimo. Pelo idealismo de buscar na Europa sementes mais férteis para melhorar as safras de cereais no Paraná - em missão oficial do governo Affonso Camargo, mas que não seria honrada pelo interventor Manoel Ribas (que o substituiu na revolução de 1930), o velho Rosenman perdeu tudo que possuía, inclusive a propriedade que, em parte, seria desapropriada, "por vontade expressa de dona Anita Ribas", para que ali fosse construída a Casa do Pequeno Jornaleiro. Uma história repleta de detalhes curiosos, agora preservados no registro de Bernardino. Seu pai, Bernardo Schulman, que veio da Rússia no século passado, era um homem sensível a cultura, poliglota, e que foi o primeiro campeão de xadrez no Paraná. Sua mãe, Azalia Paciornik, lia os clássicos da literatura em russo. - "Foi através dela que aprendi a falar russo", lembra Bernardino, que em sua adolescência, apesar das dificuldades de vir de Araucária - então uma colônia agrícola, de acesso precário, em Curitiba tinha aulas de violino com o professor Ludovico Zayer. Seu pai, em 1937, portanto dois anos antes do início da II Guerra Mundial, mas já sentindo o crescimento do nazismo, publicou "Em Legítima Defesa - A Voz de um Judeu Brasileiro", com apresentação do professor Dario Velloso e prefácio do médico Pampilho D'Assumpção. Três outras edições foram feitas (a última há dois anos), mostrando a preocupação de Bernardo com o racismo hitleriano que provocaria tantas desgraças nos anos 40. Curiosamente, no início do século, a convivência dos judeus e alemães em Curitiba era perfeita. O próprio Bernardino foi aluno por anos da Escola Alemã, "quando aprendi a falar tão bem o idioma germânico que desaprendi o português". Depois, com o nazismo, houve uma separação das famílias, embora as hostilidades nunca tenham chegado, em termos locais, a choques violentos. - "Mas é claro que houve discriminações, perseguições e famílias amigas se dividiram, com os alemães curitibanos sempre justificando: "Nada temos contra vocês, Judeus daqui. O nazismo é contra os judeus de lá...", como se fosse possível tal separação", recorda Bernardino. xxx Na tranqüilidade de quem muito viu e fez, Bernardino é homem de histórias deliciosas e que, na medida do possível, promete colocar no papel. Entremeadas de poemas do melhor humor, como a que fala de velhice e que merece publicação ao lado. LEGENDA FOTO - Bernardino Schulman, o bom humor e as histórias dos pioneiros israelitas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
22/07/1989

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