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Aramis

Sexo sem excitação (em ritmo inglês)

20 anos depois de ter surgido na televisão inglesa, renovando-se em termos de sátira e crítica - e comparado apenas aos irmãos Marx por seu anarquismo - o Monty Python, já desfeito como grupo, tem uma presença que só agora começa a chegar ao grande público, ao menos no Brasil. Por coincidência, dois filmes em exibição na cidade mostram aspectos diversos dos talentos deste irreverente grupo que, em trabalhos coletivos, até agora, havia sido curtido por pouca gente (ver outro texto nesta mesma página). Tanto "Um peixe chamado Wanda" (Lido II), a excelente comédia que valeu a Kevin Kline o Oscar de melhor coadjuvante, com "Serviços Íntimos" (Cine Bristol, infelizmente hoje último dia em exibição) trazem muito do humor britânico dos talentosos integrantes do Monty Python. "Personal services", aliás, se aproximara a outro filme em exibição também na cidade - "Ligações Perigosas" (Cinema I/Astor), pelo fato de tratar o sexo sem excitação - ao contrário, vendo-o de forma crítica e como uso no poder da dominação das pessoas. "Liasons dangereuses", embora rodado com recursos americanos, é um filme de Stephen Frears, um dos cineastas mais importantes do novo cinema inglês - cáustico e demolidor em "Minha querida lavanderia" (1985, ainda inédito, mas à disposição em vídeo), "O amor não tem sexo" (Prick up your ears, 86, exibido apenas uma semana no Bristol mas também em vídeo nas locadoras) e, o perturbador "Sammy and Rosie get laid" (87) - abordando problemas contemporâneos da Inglaterra, centrado em homossexualismo, violência e as crises entre os imigrantes paquistaneses. Ao transpor à tela o romance de Choderlos de Laclos (1741-1803), Frears fez um filme requintado, finíssimo - um esgrima visual de perfídia, relações sexuais, poder, tramóias de interesses - resultando numa obra que não foi injustiçada na distribuição do Oscar, conservando, intrinsecamente, a mesma crítica feroz que marca seus filmes - especialmente "Sammy and Rosie get laid", que pela audácia das seqüências insinuantes não há nada que possa ser visto como excitante (tanto é que a censura do filme é de apenas 14 anos). Em outro ponto da linha fica Terry Jones, 47 anos, britânico do País de Gales, que após ter dirigido os três filmes do Monty Python (o primeiro, dividido com Gilliam), realizou "Serviços íntimos" em 1987. Embora tanto na apresentação dos créditos como ao final, haja um claro aviso de que o filme não foi baseado na vida de Cynthia Payne, autora do livro "Personal services", o fato é que a personagem Christine Painter tem uma força real impressionante. A trajetória de uma mãe solteira, trabalhando como garçonete numa cafeteria de Londres - e que para aumentar sua renda subloca seu pobre apartamento para prostitutas - a decisão de instalar um bordel para clientes ricos e famosos - é narrada com imagens duras, cruéis - embora com um humor que não poderia faltar a um Monty Python como é Terry Jones. Filmes sobre prostituição já foram feitos às dezenas e "Personal services" seria apenas mais um título se não fosse a profundidade com que as imagens cortam uma sociedade que se debate nesta década com profundos problemas sociais e econômicos. Isto explica a repercussão que o filme de Jones obteve desde sua estréia em Londres em 3 de abril de 1987 (nos EUA, foi lançado poucas semanas depois, em 5 de maio). "Serviços íntimos" não faz concessões: os personagens parecem saídos de uma peça de Plínio Marcos (afinal, a exploração, a pobreza e a dura vida das prostitutas se parecem tanto na swinging London como numa cidade brasileira). As mulheres são feias, mal cuidadas, desiludidas, que fazem sexo puramente comercial com homens velhos, frustrados, em busca de fantasias e experiências, algumas chocantes. Os diálogos são fortes, debochados - e jamais alguém poderia ver este filme como pornográfico - pois não há excitação, com o sexo colocado de forma cruel. O filme não é agradável mas é importante. Julie Walters, como Christine Painter, está excelente e a trilha sonora (John Duprez) consegue ser tão irônica (inclusive na canção final) quanto o próprio roteiro de David Laland, desenvolvido com toda paixão e fúria por Terry Jones. xxx Galardoado com indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar - e tendo dado a Kevin Kline o boneco de melhor coadjuvante - "Um peixe chamado Wanda" é uma comédia também rodada em Londres, mas com uma visão bem menos amarga do que "Serviços íntimos". Neste, há uma grande carga de erotismo - creditado à excelente Jamie Lee Curtis (a melhor contribuição que o casal Tony Curtis/Janet Leight deu ao cinema) numa interpretação que também mereceria ao menos a nomination ao Oscar. Merecedor de um (futuro) comentário à parte, "A fish called Wanda" fica aqui registrada por também mostrar o talento de outros Monty Python: John Cleese, que interpreta o advogado Archie, fazia parte do grupo - e foi co-roteirista (indicado ao Oscar) desta comédia policial que não poupa as instituições inglesas. Um dos personagens mais interessantes do filme, Ken (Michael Palin), o gago apaixonado pelos peixes, também era do grupo Monty Python - e sua interpretação é excelente. O diretor, Charles Crichton, 79 anos, veteraníssimo da escola inglesa, montador dos filmes de Alberto Cavalcanti, não filmava há 23 anos: com esta comédia teve um merecido retorno - e sua experiência ganhou com os monthyanos Cleese e Palin o reforço para lhe dar um sucesso outonal.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/04/1989

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