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Aramis

Só nos bairros é que se salvam as escolas

O Carnaval de 1985 poderá ficar como um verdadeiro marco divisor nessa festa popular em Curitiba. O fortalecimento definitivo das escolas de samba dos bairros e o melancólico final das agremiações que, por falta de estrutura e continuidade, confiavam, apenas, numa discutível glória e tradição dos anos passados. Assim, o Não Agite, fundado em 1949, sete vezes campeão e detentor do título durante 5 anos (1957/61) não chegou sequer a sair, apesar de ter local para ensaios (Coritiba F. C.), um samba-enredo ("Verde que eu quero ver", de Jasomar/Kaka) e, segundo seu presidente, o alfaiate Cândido Lima, 54 anos, "Mais de Cr$ 2 milhões em caixa". Não tinha, entretanto, o principal: sambistas. As reuniões, feitas a partir de janeiro, não conseguiram sequer reunir mais de 50 idealistas. Enquanto Cândido, prudentemente, preferiu não expor a outrora gloriosa escola a um vexame público (no ano passado, já havia sido rebaixada para o 2º grupo), outro veterano, Maé da Cuíca (Ismael Cordeiro), 56 anos, não aceitou os conselhos e, em menos de 10 dias, improvisou um tema, reuniu pouco mais de 100 integrantes e fez melancólica apresentação da E. S. Colorado, que durante anos se orgulhou de ser a melhor bateria da cidade. E sempre disputava o Carnaval com garra e entusiasmo. Foi triste, arrancando lágrimas do próprio presidente da Associação das Escolas de Samba, o radialista Cláudio Ribeiro, que, como compositor, durante 7 anos integrou a ala dos compositores da Colorado. xxx Os desfiles de sábado e domingo também podem marcar o início do ciclo de uma nova filosofia de agremiações, vindas de bairros nos quais inexistia tradição carnavalesca e o final das escolas que, durante anos, se mantinham com a participação de sambistas de diferentes origens. Glauco Souza Lobo, 44 anos, diretor-executivo da Fundação Cultural de Curitiba e carnavalesco desde a infância, não esconde que, propositalmente, vem estimulando, há 2 anos o surgimento de novas agremiações, mesmo ao preço de um natural esvaziamento das escolas antigas. - "É a fórmula de injetar sangue novo e entusiasmo no Carnaval curitibano, e evitar sua morte". Assim, hoje há 35 agremiações, entre blocos e escolas, e a estimulante surpresa do Deu Zebre no Batuque, da Vila de Santa Efigênia (que em 1984 desfilou apenas como bloco), a melhor do grupo B, abrindo o desfile no domingo, confirma que há muita gente de talento capaz de revigorar o Carnaval. Sob a direção de uma senhora (Lea Dotzin), apoiada na associação comunitária de Santa Efigênia, o Deu Zebra no Batuque, tomando Paranaguá como tema, apresentou belíssimo espetáculo. Outra prova de fortalecimento de uma escola de bairro é a Vila Unida de Frei Miguel, criada há poucos anos, na Vila Nossa Senhora dos Pinhais e dirigida pelo carnavalesco decorador João Carlos Chimiquelski, também demonstrou grande organização, a tal ponto que foi a única a distribuir um folheto de 8 páginas, com histórico, samba-enredo e informações sobre o personagem homenageado, o músico Janguito do Rosário (Joinville, 1923 - Curitiba, 1984). A Garotos Unidos, de Vila Oficinas, reestruturada há 2 anos, encerrou belamente o desfile de domingo, com a homenagem a Chocolate (Mansuedem dos Santos Prudente, 1933-1984), também reverenciado pela decadente Verga Mas Não Quebra, que de tão desorganizada só prejudicou o desfile e foi desclassificada. Outra escola sem estrutura, a Unidos da princesa, também pretendeu homenagear Janguito do Rosário. A Imperadores Independentes reverenciou o compositor Lápis (Palminor Rodrigues Ferreira, 5/10/1942 - 10/2/1978), com seus dois filhos, Alexandre (Grafite) e Palminor Júnior, elegantemente em black-tie, como destaques. xxx Aliás, ainda bem que o estimado José Cadilhe de Oliveira, firme e animado, aos 62 anos, foi também lembrado para ser homenageado neste Carnaval, pois, caso contrário, a festa teria um tom funerário, ao lembrar, apenas, os que já se foram - Lápis, Janguito e Chocolate. A homenagem a Cadilhe de Oliveira, carnavalesco desde os 12 anos de idade, quando, em Ponta Grossa, já saía com o bloco Guarani, foi das mais oportunas. Fundador da E. S. Embaixadores da Alegria (que nasceu com o nome de Cevadinhas do Amor, em 1948), primeira agremiação carnavalesca a ter uma estrutura legal e diretoria organizada, Cadilhe colecionou 16 segundos lugares, mas nunca teve a alegria de ver a escola campeã. Afastado há 13 anos da festa (sua última participação direta havia sido em 1971), Cadilhe envergou elegante fraque (alugado por Cr$ 90 mil da Alfaiataria Jockey, já que o que possuía foi estragado por um amigo) e do alto de um carro alegórico recebia os aplausos na avenida. Identificada durante os anos 50/60 como "escola de elite", devido a sua ligação com a Sociedade Thalia, a Embaixadores da Alegria, para sobreviver, teve que procurar a força de um bairro. Assim é que, após deixar de desfilar em 1980, a Embaixadores reestruturou-se em Santa Quitéria (quando Glauco Souza Lobo a presidiu) e, hoje, tendo como presidente a atriz Delcy D'Avila, ganhou como sede o desativado terminal de transportes do bairro do Portão, que o casal Edson/Delcy D'Avila pretende transformar num núcleo cultural comunitário. Na opinião de veteranos carnavalescos, se a Embaixadores da Alegria não tivesse procurado esse contato mais direto com o bairro também teria encerrado as atividades há 5 anos, como agora, praticamente, ocorreu com a Não Agite e Colorado. xxx Em relação à E. S. Colorado, foi fundada em 1943. Por situar-se num bairro proletário (Capanema), sua decadência causa maior perplexidade do que a da Não Agite, desde o início ligada a um rico clube de futebol (Coritiba), reunindo integrantes da classe média. Contrapondo-se a uma filosofia de "carioquização" do Carnaval curitibano, que, a partir dos anos 50, foi implantada, pela transformação dos antigos e espontâneos blocos em artificiais escolas de sambas, a Colorado, através de seu presidente, Ismael Cordeiro, sempre se opôs ao luxo e à sofisticação, que, após a segunda metade dos anos 60, passou a fazer da Dom Pedro (depois Mocidade Azul) uma agremiação praticamente imbatível. Maé da Cuíca, excelente mestre de bateria, valorizava os temas simples e trazia sempre um espetáculo de samba no pé, elogiado, inclusive, nacionalmente, por mestres que assistiram ao nosso Carnaval de Rua, entre 1971/75. Aposentado da RVPSC e estruturando, comercialmente, o "Maé Samba Show", Ismael, nos últimos anos, não teve mais condições de dar ao Colorado a mesma atenção dos anos de glória e o resultado foi o enfraquecimento da escola, que, apesar de uma existência de 42 anos, não possui sequer uma quadra de ensaios, ao contrário da nova, pequena mas organizada Garotos Unidos (um barracão na Vila Oficinas). xxx Discretamente, assistindo ao desfile, o estimado Afunfa olhava, talvez pela primeira vez, com tranquilidade, um evento do qual sempre foi um nervoso dirigente. Inicialmente na Dom Pedro, depois da Mocidade Azul, Afunfa é, ainda, responsabilizado - mesmo afastado há 4 anos do Carnaval - como o dirigente que inflacionou a festa, dando à escola um toque milionário, com mais de mil integrantes, temas ambiciosos e chegando mesmo a importar profissionais do Rio para valorizar as apresentações. Campeã, assim, durante muitos anos, a Mocidade Azul transformou-se na grande escola do Carnaval curitibano, com uma estrutura que já a aproxima das escolas-empresas do Rio de Janeiro. Um gigantismo, entretanto, perigoso, capaz de, mesmo trazendo luxo, beleza e recursos com os quais outras agremiações não podem competir, levando a uma confusão na avenida, como aconteceu no desfile de sábado. Vantagem que uma agremiação menor, mas ágil e criativa, como a Acadêmicos da Sapolândia, sabe capitalizar e que fez, já há 12 anos passados (ao desfilar pela primeira vez), subir do segundo para o primeiro grupo, no qual permanece com muita garra. Em 1976, obteve inclusive um bonito primeiro lugar. Agora, sob a direção de Homero Reboli, arquiteto e compositor, ex-integrante da ala dos compositores da Colorado, a Acadêmicos da Sapolândia, mesmo deixando de ser uma escola característica do alagadiço bairro do Tarumã (razão do nome), é uma das que têm procurado manter um número fiel de componentes e um crescimento harmonioso e disciplinado. xxx O Carnaval de Rua de Curitiba tem sido tema de muitas discussões. Desde os que o vêm como festa artificial, forçada, sem qualquer tradição, só existindo devido à insistência da Prefeitura (desde o início dos anos 50, na administração Erasto Gaertner) em subsidiar as escolas, até aos que defendem nossas escolas, nossos carnavalescos, dentro das características étnicas que fazem essa festa, assim como o próprio Estado, na definição de Wilson Martins, "um País diferente". De uma coisa não se pode acusar a atual administração: ninguém é mais identificado com a área do que o atual diretor cultural da FCC, Glauco Souza Lobo, que passou por várias escolas de samba e, hoje, por força do cargo que ocupa, procura aplicar na prática aquilo que teorizou durante muitos anos. Por isso mesmo, comentando a experiência iniciada de estimular a fusão das escolas menos estruturadas, valorizar as formações dos bairros e os blocos, além de trazer também escolas de outros municípios (no sábado, haverá um belo desfile de campeãs, de várias cidades paranaenses), diz ele: - "Se tudo isso não der certo, então darei razão aos que defendem o fim do Carnaval. E, ao invés das escolas e blocos, o melhor mesmo será colocar a Camerata Antiqua, com o maestro Roberto de Regina no comando, desfilando na Marechal Deodoro nas quatro noites...".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
18
21/02/1985

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