Soldadinhos de Chumbo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de novembro de 1987
12 anos depois de "Apocalypse Now", Francis Coppola revisita o Vietnã em "Jardins de Pedras" (Cinema I, 4 sessões). Só que ao invés do explícito naquela superprodução que levou a Zoetrop à uma do suas falências, desta vez ele faz um filme implícito sobre a mais cruel das guerras deste século. Em "Apocalypse Now", partindo da idéia de um dos mais densos romances do polaco-inglês Jerome Conrad (1857-1924), "O Coração nas Trevas" (1906), Ford mergulhava seus personagens no inferno do Sudeste da Ásia, numa viagem delirante de um oficial em busca de um coronel que havia enlouquecido. Em "Gardens of Stone", o romance de Nicholas Proffitt fica no asséptico e turístico cenário do Cemitério Nacional de Arlington, em Washington - com seus vastos montes verdes pontilhados de lajes de mármore, indicando os mortos em combate.
Mas não é preciso ser explícito para denunciar a violência da guerra - e se Robert Altman, há 3 anos, realizou o igualmente denso "O Exército Inútil" num filme teatralmente huis-clos, mas com uma colocação tão drástica que, de certa forma, pode até ser visto como uma espécie de introdução ao "Platoon", de Oliver Stone, Coppola neste seu "Jardim de Pedras" também expõe as feridas da guerra e faz um exercício de reflexão - lenta e pausada - com o espectador.
Propositadamente a câmara de Jordan Cronenweth usa e abusa dos primeiros planos, buscando capturar as reações dos poucos personagens em torno do qual a história vai se desenvolvendo - pois se não há batalhas, trincheiras, artilharia ou vietcongs (a não ser em algumas imagens pela televisão), há também a dor da guerra, no período mais intenso da escalada (1968/69).
Nas mãos de qualquer cineasta com menos segurança, um roteiro lento como o que Ronald Nass desenvolveu a partir do romance de Proffitt seria um fracasso. Entretanto, Coppola tem sua maneira intimista de contar uma história - e não é sem razão que seus melhores momentos de realizador ficam quando se volta a filmes extremamente humanos como "Caminhos Mal Traçados" (Rain People), "O Fundo do Coração" (One From The Heart) e, especialmente, "O Selvagem da Motocicleta" ("The Rumble Fish",1983) - este visto há menos de um mês no cine Lido.
Em seu aguardado "Nascido Para Matar" (Full Metal Jacket, 87), Stanley Kubrick divide a ação entre o treinamento militar e campo de batalha. "O Exército Inútil", de Altman, concentrava toda sua ação num grupo de soldados às vésperas de embarcar para o Vietnã. Neste "Jardim de Pedras", Coppola é irônico mas extremamente humano ao focar os veteranos sargentos Cell Hazard (James Caan) e "Goody" Nelson (James Earl Jones), que no Fort Meyer, na Virgínia, treinam os soldados para a guarda da honra - a chamada Velha Guarda que se limita ao cerimonial de Arlington - um dos pontos de visitação turística aos que chegam a Washington - como "soldadinhos de chumbo", como eles próprios se autodefinem.
Hazard, divorciado, que há anos não vê seu filho, quer voltar ao campo de batalha. Frustrado em seu projeto, passa a apoiar o jovem recruta Jackie Willow (D.E. Sweeney, mais uma excelente descoberta de Coppola), filho de um velho camarada de armas na guerra da Coréia, e ao qual se afeiçoa paternalmente - e também conseguindo a simpatia do bem humorado "Goody" Nelson. O jovem Willow quer ir para o Vietnã, por acreditar, ingenuamente, que "o soldado no lugar certo, no momento exato, pode mudar os destinos do mundo". A narrativa toda se concentra em Washington - com 90% de interiores e em forma de flash back, o que já dá, na primeira seqüência a informação de que jovem oficial Willow - que sonhava com as divisas do oficialato e lutar no Vietnã - havia morrido.
Trivial, portanto, em sua estrutura - inclusive no romance entre o sargento Clell e a jornalista Samantha Davis (Angelica Huston), do "The Washington Post", ou do namoro e casamento de Willow com Rachel Feld (Mary Stuart Masterson), "Jardins de Pedras" consegue, entretanto, manter o ritmo. E isto ainda se torna mais admirável quando se sabe que foi durante as filmagens que um dos filhos de Coppola, Gian-Carlo, morreu num acidente marítimo no Pacífico, num fim-de-semana. Coppola conseguiu superar a tragédia e concluir o filme - realizado no ano passado, logo após o seu belo vôo no tempo em "Peggye Sue - Seu Destino à Espera", com uma temática totalmente diferente.
"Jardins de Pedras" é um filme contido. Os intérpretes - seguros e competentes - têm atuações introspectivas, a fotografia usa bastante primeiros planos e a ação é conduzida lentamente - quase aliás como uma não-ação. Dentro da chamada "filmografia de caserna" - na qual se avolumam mais de 200 filmes sobre as relações militares, "Jardins de Pedra" chega a ser um filme extremamente simpático e não foi sem razão que o coronel John Myers o definiu como "perfeito" do ponto de vista do exército. Esta visão bem comportada em termos militares - diversa daqueles cineastas que, audaciosamente, não temerem denunciar as mazelas de caserna, seja com o furor de um Stanley Kubrick ("Glória Feita de Sangue/Paths of Glory", 57), seja da cruel política dentro dos quartéis ("Um Passo da Eternidade",1953, de Fred Zinneman) não invalida, entretanto, esta visão que Coppola dá a um momento na vida militar, no micro universo de uma comunidade americana, no final dos anos 60.
A narrativa flui naturalmente e a música de Carmine Coppola, pai de Francis, consegue captar o som da época com as marchas militares inclusive os toques do Silêncio, funebremente, ao final.
Um filme marcado e datado, sem entrar na categoria das melhores obras de Coppola, tem, entretanto méritos que justificam sua visão atenta.
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