O Vietnã, para maior reflexão
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de julho de 1988
Revisto hoje, 14 anos após ter sido realizado e 11 após a retirada dos Estados Unidos do Vietnã, "Corações e Mentes" (cine Groff, até amanhã, 4 sessões) não só conserva toda a emoção que trazia quando foi lançado, ainda no período da mais suja e cruel das guerras desta segunda metade do século, mas parece ter crescido em sua importância política.
Produzido de forma independente, através da associação da BBS/ Todhestone, reunindo os liberais Henry Jaglom e o francês Bert Schneider, "Hearts and Minds", foi, pode-se dizer hoje, o mais corajoso documentário dos anos 60 - e a força de suas imagens, a coragem com que o roteirista diretor Peter Davis colocou nas imagens para mostrar o verdadeiro genocídio que a maior nação do mundo praticou no Sudeste da Ásia, por certo contribuíram para que se fortalecessem ainda mais os grupos civis contra a continuidade da guerra - e dessem condições a que o presidente Richard Nixon promovesse a retirada das tropas, pondo fim a loucura bélica que vinda desde os tempos do governo Eisenhower/ Kennedy - mais atingindo a escalada máxima na administração Lyndon Johnson, fez os Estados Unidos, mergulhar num beco sem saída.
A exibição de "Corações e Mentes", que em toda sua força crítica ao governo americano, foi uma prova da liberalidade americana, tendo, inclusive o reconhecimento da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood ao lhe conceder o Oscar de melhor documentário em 1974. Revendo-se este filme no qual Davis reuniu depoimentos de políticos, soldados, familiares de militares mortos no Vietnã, além da mais cínica das entrevistas com o general Westmoreland, comandante das tropas americanas entre 1964/68, entre inúmeros outros depoimentos, pode-se entender melhor a lavagem de culpa que o cinema americano vem fazendo em torno da guerra do Vietnã, com obras que vão do explícito de "Nascido Para Matar" ("Full Metal Jacket", 87, de Stanley Kubrick) ao implícito "Jardins de Guerras" ("Gardens os Stone", 86 de Francis Coppola), para citar, justamente, entre outros dois filmes programados simultaneamente nesta semana (cines Ritz e Luz, respectivamente). Achamos inconveniente o período para a Fucucu programar estes filmes sobre a guerra do Vietnã especialmente quando poderia lançar fitas apropriadas ao público infanto-juvenil, inéditas (mas que foram desprezados devido a estupidez de seu programador), mas isto não invalida o valor destes filmes. Mesmo com a censura vencida - mas permitida no caso de exibição em salas culturais - "Corações e Mentes" está com uma boa cópia (este filme, teve na verdade poucas exibições no Brasil) e a montagem inteligente de Lynzee Lingman, com uma técnica que Peter Davis desenvolveu em seus tempos de jornais, a utilização de material de diversas fontes - incluindo a citação de quatro filmes americanos dos anos 40 (nos quais Hollywood mostrava os japoneses como inimigos monstruosos), faz com que os 110 minutos de duração passem como se fosse um programa médio, tal a quantidade de revelação e denúncias que o filme traz - tanto refrescando a memória dos mais velhos, que acompanharam a guerra do Vietnã, como para os mais jovens, nascidos nestes últimos 20 anos e que através da visão de "Corações e Mentes" podem melhor entender um conflito cruel, estúpido e boçal - necessário sempre de ser denunciado, para que novos Vietnãs não se repitam neste nosso cada vez mais sofrido planeta.
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