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Aramis

Um grito de indignação

Repete-se com "Um Grito de Liberdade" (Condor, 3 sessões) o mesmo que caracteriza alguns outros exemplos do melhor cinema político que se tem feito nestes últimos 20 anos: mais importante do que a estética, a linguagem e mesmo ocasionais propostas do realizador é o fato da denúncia em si, da coragem de num grande painel, em bloco, reavivar a memória do espectador, despertá-lo de sua inércia, dar-lhe um soco no estômago (do comodismo) e fazê-lo ao menos ter uma visão do problema que acontece aqui e agora, neste mundo às vésperas da virada de milênio - mas ainda vítima da canalhice, do fascismo, da ditadura de grupos minoritários que detêm a força do poder. A denúncia que Sir Richard Attenborough traz sobre o apartheid na África do Sul - relatando fatos ocorridos há apenas 10 anos (e que continuam acontecendo) são tão contundentes quanto o da guerrilha de "Salvador - O Martírio de um Povo" (1985, de Oliver Stone), das denúncias do grego Costa-Gravas sobre a direita na Grécia ("Z"), Cone-Sul ("Estados de Sítio") e Chile ("O Desaparecido"), ou mesmo numa obra de ficção, mas com elementos do real, que Graham Greene escreveu em 1963 ("Os Farsantes") e que foi levada ao cinema, com extrema dignidade para denunciar a ditadura de Papa Doc. Ditaduras e injustiças não faltam para serem denunciadas e não nos cansamos de repetir em nosso espaços a importância de que se façam obras de canções etc. - capazes de contribuir para que aqueles fatos que nos acostumamos, até numa criminosa apatia em ver nos telejornais diários, sejam mostrados em seqüência, para trazer todo o terror e ignomínia que os produzem. Lamentável que por erros de marketing, a estréia no Brasil de "Cry Freedom" tenha sido prejudicada. Inicialmente, havia o compromisso de se fazer o seu lançamento mundial na abertura do IV FestRio (novembro/87), que Ney Sroulevich, numa admirável visão política, fez se voltar para homenagear o negro e sua luta pela liberdade - antecipando-se ao ano da proclamação da lei áurea no Brasil. Devido aos interesses de Attenborough em aproveitar o impacto do festival de Berlim, ainda mais badalado que o do Rio, o filme acabou cancelado na última hora e substituído por "Adeus, Meninos" (Au Revoir, de Louis Mallet). Em Berlim, não houve a repercussão esperada e as bilheterias nos EUA e alguns países europeus também foram inexplicavelmente fracas. Ao contrário de "Gandhi", que Attenborough havia realizado 7 anos antes, conquistando 8 Oscars e sido um sucesso de bilheteria, "Cry Freedom" não levou nenhum dos três Oscars que disputou: ator coadjuvante (Denzel Washington), trilha sonora (George Fenton e Jonas Gwangwa) e canção original. O próprio Attenborough se dispôs a viajar à América do Sul para ajudar a promover o filme, mas, três dias antes de deixar Londres, acabou cancelando o programa. Sem nenhum Oscar - apesar de indicado em várias listagens entre os melhores do ano, nos EUA e Europa e ótimas críticas, "Um Grito de Liberdade" acabou tendo seu lançamento no Brasil relegado a segundo plano. Perdeu-se a motivação do 13 de maio e sendo um filme essencialmente político, tratando de fatos reais (apenas dois personagens não foram identificados com seus nomes reais, por razões de segurança), para o público, que busca programa tipo "Atração Fatal" é claro que "Cry Freedom" não constitui filme mais atraente. Entretanto, e não tememos o clichê, repetindo o que já afirmamos em ocasiões de utilidade pública, de visão obrigatória por todos que se interessam em saber, mesmo que superficialmente, um pouco em torno da tragédia do apartheid, da mais cruel e intolerável discriminação racial que se fez contra um povo desde o nazismo de Hitler - e que mesmo com todas as condenações, internacionais continua a existir na África do Sul, cujo governo hipócrita e cruel, nada no ouro que explora das mais ricas minas do planeta, subsidia viagens de políticos e jornalistas ingênuos, que em troca de passeios por aquele "paraíso" do Continente Negro, voltam com teorizações para justificar a supremacia de 3 dentre os 4,5 milhões de brancos sul-africanos, para dominarem 16 milhões de negros, 1 milhão de indianos e ainda os brancos não africâneres e antinacionalistas. LEGENDA FOTO - Richard Attenborough dirige a atriz Penelope Wilton, que interpreta Wendy, esposa do jornalista Donald Woods. O casal atuou como consultores técnicos de "Um Grito de Liberdade" em exibição no Condor ainda hoje.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
3
01/06/1988

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