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Aramis

Um painel para reflexões

Na primeira seqüência, noite de novembro de 1976, em Crossroads, um favela dos sem-terras em Campe Province, África do Sul, as imagens de Ronnie Taylor já vão colocando a miséria e a opressão social. A perfeita trilha de Benton e Gwanga (merecidamente concorrente ao Oscar, mas perdendo para "O Último Imperador") vai dando os contornos dramáticos, que explodem com a chegada das tropas militares para destruir as habitações e expulsar as famílias que ali vivem. Na seqüência final, entre as imagens da fuga da família Woods, no pequeno avião que sobrevoa a rica, bela mas injusta África do Sul, vem à memória de Donald o massacre dos estudantes em Soweto, em 1976, meses antes do assassinato de Biko. São duas seqüências de multidões que abrem e fecham um filme linear em sua linguagem mas claro, objetivo e emotivo - como a seqüência do sepultamento de Biko, acompanhado por 20 mil pessoas cantando "Nkosi Sikelele", um hino emocionante. "Um Grito de Liberdade" é, antes de tudo, um filme emoção-indignação. Vale pela força de sua autenticidade, embora, como cinema, resista a análises. Attenborough é um cineasta competente, capaz de dar dignidade a filmes com milhões de extras em palco e trabalhou com um ótimo elenco - discreto e seguro - a começar por Kevin Kline como Woods, Penelope Wilton como sua corajosa esposa e, especialmente Denzel Washington como Biko. Mas todos os personagens são ajustados, há aquela empatia natural que se sente num filme honesto, no qual mais do que a estética formal é o real que conta - e no caso duma produção tecnicamente bem acabada. "Cry Freedom" está entre os grandes filmes políticos de nosso tempos, inscrevendo-se numa filmografia ainda pequena sobre a questão africana - no qual há 31 anos despertava o lúcido "Sangue Sobre a Terra" (Something of Values, de Richard Brooks) - e que, no enfoque da discriminação e da luta negra, ganha novamente atualidade - coincidindo com três ou quatro explosivos filmes sobre o racismo nos EUA (inclusive denunciando a Klux-Klux-Klan) em fase de finalização nos EUA e que, em 1989 estarão nas telas. Se o cinema é coragem e reflexão sobre o real, "Um Grito de Liberdade" pode ser colocado como um dos 10 melhores filmes do ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
3
01/06/1988

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