Uma moda-manifesto na defesa de nossa viola
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de junho de 1991
Se o regulamento permitisse, Teleu (Watherly Alexandre Figueiredo), teria duas músicas entre as 12 finalistas do Acordes Cataratas, constando inclusive no lp que sairá dentro de um mês em edição da RGE. É que as duas músicas que defendeu, ao lado de sua esposa e musa, Sanvita (Wanderly Bom Tempo). 29 anos - "Nas Terras do Paraná"- e "Canta Viola"- trouxeram uma carga tão bela de brasilidade, tamanha sinceridade e respeito aos valores tradicionais que mereceram os aplausos de júri e público.
Ao final, "Canta Viola" foi selecionada para a finalíssima de domingo, quando acabou em terceiro lugar - precedida por "Avenida São João" de Paulo e Jean Garfunkel (*), segunda classificada e "Luz" de Altay Velloso e Paulo César Feital (1o lugar), a vencedora que valeu ainda à sua intérprete, Solange, o prêmio de US$ 300 como melhor cantora do festival.
Paranaense de Jacarezinho, Teleu, 28 anos, e sua esposa, Sanvita, são veteranos participantes de festivais: já estiveram em mais de 70 conquistando 40 premiações. Hoje radicados em São Paulo, fazendo apresentações "em todos os espaços que encontramos", a dupla guarda uma mágoa da Secretaria da cultura: durante os oito anos em que viveram em Curitiba, tentaram desenvolver um importante projeto sobre a vida e obra da dupla Nhô Belarmino (salvador Graciano, 1920-1984) e Nhá Gabriela (Julia Alves Graciano, Morretes, 28/7/1923), recolhendo e valorizando suas músicas. Infelizmente, uma incopetente burocrata da Coordenadoria de Ação cultural na última gestão (hoje aboletada na Fucucu) impediu que o trabalho fosse levado adiante.
Com a dupla Zezé & Simões (que vive em Curitiba, sem o merecido reconhecimento) e Aledir de Antonina (outro apaixonado pelo nosso folclore e música de raízes, que não encontra apoio), Teleu e Sanvita preocupam-se com a falta de identidade de nossa música. Pela sua própria formação cultural, Teleu aprendeu a amar os valores do homem do Interior, voltando-se a ecologia (antes dessa bandeira ter virado pregação politiqueira) e valorizar a chamada moda da viola. Se existisse de parte dos órgãos oficiais do Estado uma política inteligente em termos de prestigiamento a quem canta as coisas do Paraná, esta dupla mereceria o mesmo prestigiamento que um banco deu há alguns anos a João Lopes ("bicho do Paraná"), que, infelizmente, não deslanchou em sua carreira.
"Nas Terras do Paraná) e "Canta Viola" são músicas que merecem gravação pela força que traduzem. Utilizando um dos gêneros característicos da região interiorana São Paulo / Paraná, o cateretê, Teleu fez em "Canta Viola" um verdadeiro manifesto em defesa da viola caipira, dizendo em versos belíssimos que
Tão matando a fauna e flora
Nos tempos dessa peleja
Nos tempos do aqui agora
Querem tirar a viola
Da cantiga sertaneja
No refrão de 18 linhas, Teleu faz uma homenagem a 4 grandes executantes de viola:
Heraldo do Monte trouxe
A viola pra cidade
E um certo violeiro
Por nome Renato andrade
Tem pacto com o demônio
Mas sua viola é divina
Nos trastes da consciência
Nos mostra toda ciência
Da viola cristalina
O Almir, o chereu trindade
com cantos do pantanal
Mostrou versatilidade / lá no Free
Jazz Festival
E outros tantos violeiros
Por esse mundão afora
Saúdam Tião Carreiro
Que além de pagodeiro
é o papa da viola
Já em "Nas Terras do Paraná", Teleu fundiu dois totens do Sul - a Gralha Azul paranaense ao Quero Quero gaúcho - para uma música que, com bom humor, o experiente diretor da editora Polygram e membro do júri definiu como parantucha em sua idéia:
Quero-quero sentinela / sentiu nela afeição
Uma ave tão formosa 'Lhe chamou a atenção (...)
Uma pena saiu D'ave / dando voltas veio ao chão
Junto com a pena azulega / veio apenas solidão
Um pio fino e choroso / ecoou pelo sertão
Mais um pinheiro caía / gralha azul se despedia
por falta de amor e pão
Nota
(*) - Jean e Paulo Garfunkel são Netos do pintor Paul Garfunkel e da professora Helena Garfunkel, de saudosa memória. Sobrinhos do ex-ministro Karlos Rischbitcher, apesar de suas ligações curitibanas e valor de seu trabalho até hoje foram discriminadas na programação dos teatros do Paiol e Centro Cultural do Portão.
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