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Uma produção solar com a volta de Gemba ao Guaíra

O retorno de Oracy Gemba a direção é duplamente significativo em "O Carrasco do Sol" (auditório Salvador de Ferrante, amanhã, 21h). De princípio, por representar, após uma ausência de 9 anos, a presença de um diretor criativo, consciente, com um legítimo passado político-ideológico e que desde a segunda metade dos anos 50 tem, intensamente participado de nossa vida cultural. Também significativo é o fato de que Gemba, com a criatividade que marcou a época dourada do grupo Momento - no qual dividia com Iara Sarmento, atriz e produtora, e um grupo de jovens idealistas, uma renovação do teatro paranaense, dispõe, agora, de uma estrutura oficial - o que nem sempre acontecia - para desenvolver um projeto audacioso e normalmente caro. Polêmico, briguento quando necessário, mas coerente e honesto - virtudes que hoje faltam, infelizmente, a muitos dos pseudo-diretores da nova geração, Gemba escolheu um texto importante para esta volta como diretor: "O Carrasco do Sol" do dramaturgo Peter Schaffer, que entre o histórico e o psicológico, com uma notável carpintaria teatral, tem sabido desenvolver uma dramaturgia das mais importantes. Escrito há 28 anos, "The Royal Hunt of the Sun" (que teria, pouco depois, uma transposição cinematográfica com atuação de Christopher Plummer) soube colocar, em conflito, a personalidade de dois homens de personalidades carismáticas. De um lado, o imperador inca Atahualpa (1500-1533), de outro o conquistador espanhol Francisco Pizarro (1471-1541). Com a assessoria da professora e historiadora Nadir Domingues Mendonça, doutorada pela USP, vários livros publicados, o espetáculo procurará oferecer um cenário didático-informativo de Império Inca e a chegada dos conquistadores espanhóis - numa relação (quase) genocida, na busca do ouro, que hoje, nas "comemorações" (sic) dos 500 anos da descoberta da América é legitimamente questionada. Buscando como epígrafe uma feliz frase de Siegfried Huber ("Dramaturgo algum poderia ter imaginado tragédia mais cruel"), a professora Nadir, em seu claro, preciso e didático texto - reflexo de mais de 30 de apaixonado magistério - lembra na revista-programa que "ao tempo da conquista pelo espanhóis o Império Inca estava em seu apogeu e estendia-se ao que hoje temos por Peru, Bolívia, Equador e parte da Colômbia e do Chile (...). Os incas desenvolveram um sistema social de comunismo agrário em que todos trabalhavam e ninguém passava fome. Ignoravam a moeda e não usavam intercâmbio comercial. No pináculo da escala social, estava o Inca, pedra angular do edifício político; logo abaixo, os nobres, de onde saíam os conselheiros, os magistrados e os governadores de cada província, os letrados e o supremo pontífice, o Villac Ume, irmão do soberano". Pois esta organizada - e poderosa, para a época - sociedade (como os maias na América Central, México e os astecas no México), seria destruída em menos de dois anos (1532-33) por um pequeno exército de 110 infantes e 67 cavaleiros que, sob o comando de Francisco Pizarro, bastardo e analfabeto, nascido em Trujile, região de Estremaduro, na Espanha. Mais do que a conquista do Império - e a ganância dos invasores pelo ouro, levando Atahualpa a ficar preso (e torturado) por meses, o texto de Schaffer procura explorar um processo que alguns estudiosos classificam de "sedução" entre duas culturas antagônicas. Tanto o invasor espanhol como o imperador inca eram de origem humilde, ambiciosos mas que, de certa forma, traziam pontes comuns. Trabalhando sobre personalidades conflitantes - mas com profunda identificação, seja numa peça assumidamente psicanalítica como "Equuus", seja em "Amadeus" (1979) - no qual destacava-se o duelo de criação-realização entre Mozart-Salieri, o dramaturgo inglês soube desenvolver um texto enxuto, inteligente, que demoradamente ensaiado oferece aos 40 intérpretes a oportunidade de valorizarem cada diálogo. A professora Maria Marta de Moraes, nossa mais respeitada estudiosa de teatro, da Universidade Federal do Paraná, em feliz hora escolhida por Gemba para a função de dramaturgista, lembra que "a importância histórica de um dramaturgo mede-se por suas qualidades teatrais e pela compreensão aguda de seu tempo, transportada para uma estrutura dramática singular. Estes dois componentes norteiam a apreciação da crítica que, a partir deles, estabelece graduações entre os diferentes criadores dramatúrgicos. A posição de destaque ocupada por Peter Schaffer nos tempos correntes deve-se ao pleno domínio destes dois aspectos, demonstrando em suas várias peças". xxx Assim, como bem observa Marta, o dramaturgo inglês tem sido um investigador da alma humana, desmontando as defesas da psiquise, examinando-as demoradamente e friamente, expondo ao máximo em sua alta tensão dramática em "Equuus" (1973, conhecido sobretudo pelo excelente filme que Sidney Lumet realizou em 1976) e no inédito "Schrivings", que até agora nenhum encenador brasileiro acorajou-se a montar. Schaffer "domina o seu fazer teatral uma consciência aguda da importância da comunicação estabelecida entre palco e platéia. Para conquistar a segunda, dedica-se à tarefa constante de rever e de criar sua produção dramatúrgica, na tentativa de tornar o palco o emissor perfeito, em termos teatrais e de conteúdo, de todas as intenções criadoras". xxx Sem "inovações" e "acréscimos", como alguns encenadores costumam "introduzir" em discutíveis espetáculos - desvirtuando, na maioria das vezes a concepção original, Gemba, 57 anos, mais de 50 espetáculos encenados entre 1958/83, buscou valorizar bons atores locais, sabendo resistir as pressões de impôr nomes globais (como Tony Ramos) ou mesmo discutíveis cenógrafas-carnavalescas cariocas (Rosa Maria Magalhães) que tem ocupado o já pequeno mercado local. Assim, nos papéis centrais de "O Carrasco do Sol" estão dois atores corretos, profissionalmente respeitados e que se orgulham de seus curriculuns: o veterano Emílio Pitta, 49 anos, 25 de vida artística, como Pizarro e João Luiz Fiani, como Ataualpa. Radialista, tevê-man, editor do "Jornal do Rádio", publicitário, Fiani faz teatro com garra e idealismo, e assim vem se dedicando com paixão a este personagem notável, capaz de consagrá-lo como um dos melhores do ano. Há, obviamente, um elenco de apoio, com nomes menos conhecidos - e o reaparecimento de veteranos como Edson D`Avila, ao lado de seu filho, Saul e Ailton Silva (Carú). xxx Os figurinos e adereços foram criados por Luiz Afonso Burigo, veterano colaborador de Gemba desde os tempos do Escala. A cenografia e adereços são de Fernando Marés (o arquiteto Ronaldo Leão Rêgo, convidado originalmente, não pode aceitar devido a suas responsabilidades empresariais). Rita Pavão, grande nome de nossa dança, criou a coreografia e expressão corporal, enquanto Cesarti, aliás, está movimentando o auditório da Reitoria, como coordenador, função que assumiu já há alguns meses à convide da pró-reitora Márcia Simões Fontoura.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
16/06/1992

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