A vanguarda de Eno que chega atrasada
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de fevereiro de 1988
A vinda de Brian Eno a 19ª Bienal de São Paulo (outubro 87) fez com que se voltasse a prestar atenção no talento deste multitalentoso compositor e músico, de quem a RCA lançou dois excelentes discos: "Before and After Science" (de 1977), e "Music for Airports" (1978). Apesar de uma década de atraso, se tratam de dois elepês dos mais interessantes, entre tantas supérfluas produções internacionais. Gravado na Alemanha, quando Eno fazia a decoração sonora do elepê "Heroes" (de David Bowie), "Before and After Science" foi seu último disco de canções pop - e o próprio título ("Antes e Depois da Ciência") é um mapa para melhor compreendê-lo como lembrou Marcos Smirkoff ("ESP", 02/12/1987): "Eno completava seu trajeto do pop à vanguarda conceitual pela via da experiência. Naquela época, já tinha produzido a série "Obscure Records" - uma dezena de elepês com músicos da vanguarda anglo-americana e suas influências precoces (John Cage, LaMonte Young e Steve Reich) o guiavam para soluções particulares no minimalismo (que só há 4 anos começou a chegar ao Brasil)". Fundador do Roxy Music, afastou-se do grupo já no segundo elepê ("For your Pleasure") e, assim, em 1973, iniciou uma carreira solo, que pela qualidade e experimentalismo não lhe rendeu discos de platina, mas o coloca entre os mais importantes criadores musicais contemporâneos.
Um exemplo disto são estes dois álbuns. Em "Before and After Science", exercita seus dotes de cantor em faixas lentas e calmas, modelos de "canções ambientes", que sugerem imagens, "memórias a partir de estruturas simples" - como bem disse Smirkoff - um dos poucos críticos a dar o devido destaque a Brian Eno na imprensa brasileira. "Music for Airports" pode, a primeira audição, parece um disco "new age": são apenas quatro faixas, numeradas como os itens de uma tese e, citando Smirkoff, "a intenção é criar uma música de fundo que dê espaço para pensar ou induza o raciocínio, sem ser absolutamente desinteressante ou inócua".
Aos 39 anos, os 15 últimos voltando a um trabalho extremamente pessoal, Brian Eno é um criador que se renova, com propostas das mais fascinantes. Se há dez anos, trazia trabalhos como estes, agora lançados no Brasil, o que estará fazendo agora? Vamos ver se não será preciso esperar mais dez anos para conhecer os seus novos trabalhos.
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