Vivaldi & Pixinga
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de junho de 1980
Há dois meses, quando da inauguração da Praça Jacob do Bandolim, no Jardim Shaffer, Hermínio Bello de Carvalho gostou muito da apresentação do grupo Choro & Sereta, que ali esteve executando algumas músicas do patrono do logradouro - tocando inclusive com Joel Nascimento (bandolim) e Maurício Carrilho (violão, da Camerata Carioca, também presentes. Agora, quando a Camerata volta a Curitiba, para uma nova estréia nacional - o concerto << Vivaldi & Pixinguinha >> (Guairão, terça-feira, 21h30min, ingressos a partir de Cr$ 70,00), Hermínio deseja integrar os músicos paranaenses àquele espetáculo: assim, após o concerto, haverá um número extra, << Vou Vivendo >>, de Pixinguinha, no qual a Camerata e o grupo Sambas & Seresta, estarão juntos no palco - dentro do espírito de Hermínio e seus companheiros, que é o de promover animação cultural junto às comunidades onde a Camerata se apresenta.
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A estréia mundial de << Vivaldi & Pixinguinha >> - o grande evento musical deste final de semestre, coincide com a edição pela WEA do lp com << Tributo a Jacob do bandolim >>, justamente o espetáculo que, a 11 de agosto de 1979, no Guairinha, não só homenageava o grande compositor, instrumentista e compositor Jacob Pick Bittencourt (1918-1969), no 10.º aniversário de sua morte, como marcava o encontro de jovens músicos identificados por um grande amor à nossa melhor MPB, com o lendário Radamés Gnatalli, 74 anos, presença maior na vida artística nacional. Na ocasião o grupo não se chamava ainda Camerata Carioca, e a razão do nome é Hermínio quem revela.
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<< Existem conjuntos e conjuntos de choro e a Camerata não quer ser um conjunto de choros apenas. Aliás já não é desde que foi formulada e a cognominei de Camerata. Isso o Radamés compreendeu logo quando me telefonou e disse: << Olhaí, se é Camerata então vamos logo tocar um Vivaldi >> e aí pegou o << L`estro harmônico >> e o Concerto Grosso, opus 3, n.º 11, e tascou na grade uma transposição respeitosíssima para o conjunto >>.
E justamente esta peça de Vivaldi é que abre o recital de terça-feira, mas que tem também músicas de outros compositores admiráveis, mas alguns poucos conhecidos. A este respeito, o diretor do recital << Vivaldi & Pixinguinha >>, comenta destacando inclusão do << Jubileu >>, de Anacleto de Medeiros >> (1886-1907), como terceiro número do programa: << A colocação desta música poderia parecer uma atitude saudosista, não fosse o Brasil tão desmemoriado.
Acontece que Anacleto foi um músico que viveu apenas 41 anos (Antônio Callado, autor de << Flor Amorosa >>, viveu apenas 32 e Patápio Silva, autor de << Primeiro Amor >>, morreu com 26 - que loucura!) e finalmente, o que se conhece da vida desses percursores? O << Jubileu >> é um dobrado riquíssimo, original, é justamente dessas obras sempre eternas, jovialidades essa que o Radamés fez pontuar em seu arranjo. Meu Deus, o Anacleto foi o primeiro mestre da Banda do Corpo de Bombeiro do Rio de Janeiro, foi organizador daquela gloriosa banda! Inclusive admiradíssimo pelo Carlos Gomes, pelo Villa-Lobos (que inclusive pegou o << Rasga o coração >> e o colocou como tema da Bachianas n.º 10, que homenagem mais bonita poderia prestar ao gênio de Anacleto?) Não é uma atitude saudosista, mas reveladora de que esse baú precisa ser remexido com mais curiosidade e ousadia. O que estimula o aparecimento de tanta mediocridade é justamente essa inércia, essa falta de coragem de sacudir a poeira. É preciso não ter medo de desafiar o passado como forma e fórmula de enfrentar o futuro >>.
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A partir de 1977 ocorreu um << Boom >> do choro, o que provocou o aparecimento de muitos conjuntos, alguns de discutíveis méritos. A este respeito, Hermínio, como grande estimulador do gênero e da música brasileira, faz uma colocação precisa: << Acho tão importante << Época de Ouro >> que não posso, nem devo, confundi-lo com as dezenas ou, centenas de conjuntos que apressadamente se constituíram para aproveitar a << onda >>, o modismo do choro. Mas existem ótimas propostas novas, como o da << Cor do Som >>. Acho o Armarinho fantástico, como também o Um e o Dadi. Os Novos Baianos sacudiram também muita poeira. Não poderia falar de conjunto fantástics que municiaram, afinal, toda essa geração que aí está >>.
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As idéias de Hermínio, que reafirma sempre que a música não se discute, se toca (<< Eu odeio tudo que fica no plano teórico, odeio teóricos: música e sexo são coisas que não se teorizam >>), vai mais além: << Houve em São Paulo o Festival de Jazz. Por que não programaram também a Camerata? Essa é uma experiência que eu gostaria de fazer. Porque existe um servilismo cultural que afasta determinados músicos representativos de nossa músicas em eventos daquela espécie. Um forró com o Sivuca, a Nana, o Baden, o Radamés - a lista seria imensa! Dá vontade de entrar por uma discussão sobre o chamado << som universal >>, que é uma desculpa para determinados músicos colocarem para fora sua verdadeira identidade musical. Isso me faz lembrar de um grande músico americano que, perguntado o que achou da música << brasileira >> que havia escutado no I Festival Internacional de Jazz. (Anhembi, setembro/78), respondeu: << Brasileira? Não ouvi. Ouvi uma imitação de jazz muito mal feita >>.
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Hermínio já está em Curitiba, preparando os ensaios da Camerata Carioca, cujos integrantes chegam entre hoje e amanhã: Joel Nascimento (bandolim), os violonistas João Pedro Borges, Maurício Lana Carrilho, Luiz Otávio Braga, mais Henrique Leal Cazes (cavaquinho) e Humberto Leal (percussão). O maestro e pianista Radamés Gnatalli também está chegando. Muitas horas de ensaio, antes do concerto de terça-feira, em seguida, entram no Sir-Laboratório de Som & Imagem, para a gravação do lp, com o mesmo repertório do concerto. Um disco que será feito com o capricho e amor que caracteriza as produções de Hermínio, numa produção que inaugura um novo selo, a soma dos esforços do Museu da Imagem e do Som/Rádio Estadual do Paraná, com capa e programação gráfica de Cleto de Assis. O disco será lançado no final do ano - com uma tiragem distribuída pelo governo do Paraná e o restante comercializado pelos integrantes da Camerata, em escala nacional.
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