Airto Moreira grava os sons da natureza para seu 4º Mundo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de dezembro de 1990
Mais uma prova de que 22 anos de Estados Unidos não americanizaram o catarina-paranaense Airto Guimorvan Moreira. Em Curitiba há uma semana, o mais conhecido percussionista brasileiro no Exterior, programou prioritariamente uma missão ecológica-musical: a gravação de sons da natureza para incluir em seus shows com o novo grupo que formou: "Airto Moreira Fourth World", que, no primeiro trimestre de janeiro, deve fazer um elepê digital.
Airto, catarinense de Itaiópolis, 49 anos, infância em Ponta Grossa e juventude em Curitiba nos anos 60, sempre teve uma profunda ligação com a natureza - pois, menino do interior, acostumou-se ao contato com os pássaros, o verde, a vida bucólica das pequenas comunidades.
O choque cultural quando se transferiu para São Paulo - ali iniciando sua carreira como baterista-cantor, depois, percussionista, especialmente na mais criativa fase do Quarteto Novo - com Heraldo do Monte e Theo de Barros (violões) e Hermeto Paschoal (teclados), o fez procurar instrumentos inusitados, como a famosa queixada de burro, cujo som totalmente diferente, feito ao acompanhar "Disparada" (Geraldo Vandré), defendido por Jair Rodrigues no II Festival de MPB da TV Record, em 1966 - levou o público ao delírio - no empate que teve com "A Banda", de Chico Buarque.
Nos Estados Unidos, uma das razões do sucesso de Airto, como percussionista - fazendo-o ganhar o primeiro lugar no jazzpoll da Down Beat por 10 anos nesta categoria, foi o fato de sempre renovar-se, buscando os sons mais originais, num trabalho reconhecido mundialmente. Assim, sua agenda internacional está sempre repleta, pois somada a sua criatividade, há o talento vocal de sua esposa, Flora Purim - e complementos com os melhores músicos. Ainda agora, Airto confirmou, por telefone, sua presença no reveillon do Hotel Meridian, em Paris, onde seu novo quarteto estará fazendo uma temporada rapidíssima de início de ano.
Há pouco mais de um ano, contratado por um empresário austríaco que já o havia levado várias vezes a Europa, Airto e Flora participaram de um festival de folclore austríaco, em 9 etapas, realizadas em cidades da Áustria. No início, a participação seria apenas dele e Flora, mas o violonista José Neto acabou integrando-se e assim formou-se um trio. O saxofonista-flautista Garry Meek, que se encontrava na Áustria, assistiu a apresentação do trio e se entusiasmou. Algumas canjas e um projeto: desenvolver um trabalho em forma de quarteto sem contrabaixo, na formação percussão-voz-violão-sax/flauta.
Assim, formou-se o "Airto Moreira Fourth World" - cujo nome já remete a uma identidade ecológica: Quarto Mundo significa o mundo da natureza (que resta), com múltiplas conotações filosóficas - que Airto e Flora, como espíritas atuantes, sempre estudaram a fundo.
Tocando há quase um ano, o novo grupo ainda não gravou. Só agora, as negociações estão sendo processadas, havendo duas multinacionais interessadas - a Polygram e a MCA Records. Assim que decidir por qual delas fará a opção, o grupo gravará um elepê cheio de novidades e que incluirá, naturalmente, sons da natureza - ruídos de águas, canto de pássaros e animais domésticos, vento, etc.
Airto poderia adquirir horas de gravações de sons naturais, vendidos até em livrarias especializadas de Los Angeles e Nova Iorque. Aliás, até chegou a adquirir alguns exemplares, "mas o som não me satisfazia, era meio industrializado" - comentava no domingo, ao explicar o seu projeto a Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho. De sua última viagem ao Japão - país em que já vez várias temporadas - Airto trouxe o mais moderno DAT - Digital Audio-recorder Tape, até agora só vendido naquele país e cujo som é superior ao laser convencional (por isto, mesmo as multinacionais da gravação estão bloqueando sua comercialização).
Trazendo em sua bagagem este aparelho, que tem em perfeição técnica o que não possui em tamanho - Airto decidiu capturar os sons da natureza em Curitiba e arredores. Na semana passada, com o cunhado Douglas Godoy e o sobrinho Emerson, esteve na fazenda do Saltinho, em cenário verdejante, no qual serpenteiam cristalinos córregos d'água e pequenas cachoeiras.
O baterista e engenheiro de gravação Carlinhos Freitas, técnico-senior do Sir Laboratório de Som & Imagem (e atualmente integrando a banda Aquarius), assessorou Airto na adaptação de alguns cabos de gravação da DAT e lhe apresentou o compositor e violonista Reinaldinho Godinho, um de nossos grandes talentos. Também sensível a natureza, com várias canções em torno de pássaros. Reinaldinho mora numa bucólica casa em Santa Felicidade, rodeada de árvores nas quais milhares de pássaros o acordam com uma verdadeira sinfonia. O som destas aves ele já gravou, com auxílio de Carlinhos, para uma terna composição, "Marumbi", incluída numa fita-demo, que numa mínima tiragem usou como mensagem de Natal, no ano passado. Portanto, Airto não poderia encontrar melhor auxílio para registrar o som dos pássaros curitibanos, o que está fazendo em algumas madrugadas na casa de Reinaldinho. Carlos de Freitas, exigente sempre em som, é um fã dos "pássaros de Reinaldinho".
- "Eles parecem até ensaiar, tão melodiosos são".
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