Algo mais do que a competição musical
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de julho de 1987
Pela primeira vez em suas 15 edições, o FERCAPO (Clube Tuiuti, Cascavel, de hoje a sábado) não se limitará, felizmente, apenas a parte competitiva. Embora o nível das 30 composições em disputa de prêmios no total de Cz$ 110 mil pareça ser bom, tão importante quanto as músicas que buscam a efêmera glória (apesar de registradas em elepê, a exemplo do que aconteceu no ano passado) será a realização de uma ampla mesa redonda (amanhã, a partir das 16 horas) sobre a validade e importância dos festivais de MPB, com uma conseqüente análise da atual produção musical do Brasil.
A presença em Cascavel de compositores, intérpretes, produtores musicais, jornalistas especializados, faz com que o debate a respeito seja oportuno. Por exemplo, um produtor cultural da dimensão de Pelão (João Carlos Botezelli) tem condições de, melhor do que ninguém, fazer a verdadeira radiografia do que acontece com a nossa MPB, ele que já produziu alguns dos melhores discos (Cartola, Carlos Cachaça, Adoniram Barbosa, só para ficar em três exemplos) e que atualmente vem percorrendo o Brasil, buscando os melhores talentos para valorizar um novo festival nacional a ser deslanchado a partir de setembro próximo.
Aliás, numa feliz idéia, os vencedores dos mais importantes festivais regionais estão ganhando o direito de concorrerem neste evento nacional - como fórmula de fugir da mesmice e esquema comercial que caracteriza, infelizmente, os grandes festivais musicais na televisão - e que levou a Globo, há 3 anos passados, a suspender o MPB-Shell.
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Cascavel apresenta características curiosas em termos culturais. Embora tenha sua formação com base na migração gaúcha dos anos 40/50, uma classe média ascendente, em busca do status sócio-cultural fez com que o FERCAPO procurasse características urbanas, desprezando as raízes nativistas. Ao contrário do Rio Grande do Sul, que a partir da primeira edição da Califórnia da Canção, em Uruguaiana, há 16 anos, passou a valorizar os valores nativistas - e que provocaria o boom refletido hoje em mais de 40 outros festivais e no fortalecimento da indústria fonográfica (mais de 800 elepês de artistas regionais lançados a partir de 1980), o FERCAPO sempre namorou uma linha urbana, quase colonizada, embora, no ano passado, o grupo Cigarra, de Clevelândia, tenha, surpreendentemente, vencido com uma música nativista, a bela "Ventania".
Questões interessantes em torno da música regional e nacional e colonialismo cultural, impostas pelas redes nacionais de televisão e a própria indústria cultural (principalmente a fonográfica) deverão dar ao encontro da tarde de amanhã, um grande interesse especialmente aos próprios participantes do Festival - aproximando-os, inclusive, dos jurados convidados entre radialistas como Zuza Homem de Mello, da Jovem Pam, São Paulo, jornalistas Edilsom Leal ("Folha de Londrina"), e Juarez Fonseca ("Zero Hora"), produtor César Ribeiro da Fonseca, pesquisador Ilmar de Carvalho, entre tantos outros que se preocupam com a nossa MPB.
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