Login do usuário

Aramis

Assim é a VIDA!

"Espera-se envelhecer e teme-se a velhice: quer dizer, ama-se a vida e foge-se à morte" (Le Bruyére, 1645-1969, "Os Caracteres"). Se houvesse uma censura classificatória não só de idade, mas preventiva para emoções fortes em termos geriátricos, talvez até se justificasse que "Meu Pai - Uma Lição de Vida" (Lido II, 5 sessões, até amanhã em exibição) ganhasse a indicação de "desaconselhável (e perigoso) para maiores de 60 anos. Até que ponto um filme que toca numa questão delicada, extremamente humana e sentimental como a velhice, pode ser vista e absorvida por espectadores idosos, facilmente capazes de estabelecer uma empatia com o casal Tremont ao longo de 117 minutos de projeção? A senilidade, o enfarte, o câncer, a dificuldade de relacionamentos - e, em contrapartida, os problemas que os idosos trazem aos familiares, recheiam "Dad" da primeira à penúltima seqüência. Difícil um espectador acima de 40 anos que não projete no que assiste na tela uma imagem familiar - se não de um pai ou mãe, de um avô, tio, um parente ou ao menos um amigo(a) ou conhecido. "Meu Pai - Uma Lição de Vida" se insere num gênero cinematográfico que parece crescer nos últimos anos: a sociologia da idade. O comportamento entre pais e filhos, a discussão em forma de filmes (como também em peças ou especialmente livros) de questões que uma sociedade que através da elevação do nível (e da longevidade) de vida, mostra-se ainda perplexa na solução de problemas no ajustamento dos mais velhos. Lembro-me muito bem - e lá se vão mais de 20 anos - que numa aula do professor Brasil Pinheiro Machado, quando fazia o curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná, na qual ele abordava a sociologia da velhice, então, segundo sua visão, ainda um privilégio de algumas (poucas) sociedades ricas - como as americanas e de alguns países europeus. No Terceiro Mundo, no qual a expectativa de vida raramente ultrapassa 50 anos (ficando, em alguns casos, em 40), a questão de "o que fazer com os velhos" não chegava a se constituir num problema capaz de merecer análises de nível mais leigo, como, por exemplo, tratá-las no cinema, visto antes de tudo, como entretenimento por excelência. São raras as chances de um filme como "Dad" - título original - se destacar numa programação, mesmo tendo merecido uma indicação à mais nova categoria do Oscar - a de maquiagem - numa programação na qual até um filme-poema como "Splendor" (Bristol, hoje e amanhã, últimas exibições), também fracassa em termos de público. Entretanto, a sua maneira, "Meu Pai - Uma Lição de Vida" é uma obra tão imensa, tocante e maravilhosa como "Conduzindo Miss Daisy", de Bruce Beresford. A velhice de Miss Daisy (Jessica Tandy) - Oscar de melhor atriz, ou do casal Jack e Betty Tremont são tão universais, no estabelecimento da empatia com o espectador mais emocionalmente preparado, do que qualquer outro argumento que se ofereça. Então, porque "Driving Miss Daisy" conseguiu tantas indicações (e premiações) e se tornou um êxito de público, enquanto este "Dad" ficou tão esquecido de tal forma que são poucas suas chances de permanecer sequer mais uma semana em projeção? Ambos com origens em outros textos - "Driving..." na peça de Beth Honsey, "Meu Pai - Uma Lição de Vida" num livro de William Wharton (certamente com reflexos de uma realidade inquestionável), são filmes com uma linha narrativa sincera, linear inclusive. Se no universo familiar - tão revisitado nestes últimos anos por inúmeras produções - muitas vezes o toque de comédia é extremamente utilizado, como fez, por exemplo, Ron Howard no igualmente incompreendido "O Tiro que não Saiu pela Culatra" (Parenthood, 1989) - que valeu a Dianne Weis sua indicação ao Oscar de melhor coadjuvante - tanto "Miss Daisy" como este "Dad" não podem, em absoluto, serem vistos como um cinema de (só)risos. Ao contrário, embora em alguns instantes, possa aflorar alguma seqüência na qual o riso é uma condicionante, o que permanece é aquela sensação de uma realidade muito próxima de todos. Hospitais, doenças, conflitos que povoam "Meu Pai - Uma Lição de Vida", poderiam, nestas circunstâncias, conduzi-lo a um dramalhão pesado, terrivelmente cansativo, ao espectador que busca (reconheça-se) o cinema como entretenimento. Felizmente, o diretor-roteirista Gary David Goldberg - um nome desconhecido até agora - estreou da forma mais brilhante: a maneira com que colocou a história de Jack Tremont, 78 anos (Jack Lemmon) e Beth, 75 anos, o casal de idosos que a partir do enfarte da mulher passam a depender dos filhos John (Ted Danson) e Annie (Kathy Baker), faz o filme fluir como uma paradoxal lição de vida. Aquilo que seria apenas uma crepuscular, trágica e asfixiante história de velhos em doenças terminais, num universo terrível, adquire um sentido de esperança na proporção em que fica o significado maior, para não ser esquecido ao se deixar a sala: o reencontro afetivo de pai e filho. John Tremont (Ted Danson), trinta e poucos anos, um executivo frio e ambicioso de um grupo que lucra comprando e fechando empresas em dificuldades, deixa seu mundo de yuppies nova-iorquinos para se dedicar ao velho pai, quando sua mãe é internada com um ataque cardíaco. Dependente ao extremo da esposa, o velho Jack redescobre, ao lado do filho de quem estava afastado há anos, uma força para retornar às atividades que, por comodismo e superproteção, havia encarregado sua esposa. Mais tarde, será o filho de John, o adolescente Billy (Ethan Hawke), que, vindo em visita aos avós, restabelece contato com o pai, que há anos havia se separado de sua mãe. As doenças podem não ser evitadas, mas a ternura, o amor, a compreensão e especialmente os sonhos, existem. Vencendo pelo amor filho, uma primeira batalha contra o câncer, Jack Tremont liberta seu imaginário para um mundo que nunca conseguiu viver - mas que o faz estar vivo - sonhando com uma fazenda, vários filhos, uma transferência de emoções - tal como o velho Santiago fazia com leões na África em seus sonhos de "O Velho e o Mar", a obra prima de Ernest Hemingway. Riquíssimo em qualquer aspecto que se observe - na discussão da sociologia da velhice, o atendimento médico (com uma clara crítica a insensibilidade do médico americano em contradição a dedicação do profissional de origem africana), o lado psicológico dos personagens (que deve ter encantado ao psiquiatra Hélio Rottemberg, cinéfilo feroz, uma das poucas presenças na sessão de domingo à noite) e, especialmente, o grande hino que faz do abraço entre pais e filhos, são valores maiores que nos levam a considerar "Dad" como uma obra-revelação, trazendo um diretor notável da nova geração, produção esmerada - com a música de James Horner sem abusar de citações nostálgicas (tentação que poderia cair com facilidade) e uma fotografia de Jan Kiesser que, nas imagens de abertura e dos raros fragmentos dos sonhos de Jack Tremont - passa emoção pastoral de um poema, de um sonho que todos buscamos - e que só, contraditoriamente no crepúsculo da vida, dele nos aproximamos. Ao final, em seu último abraço a esposa Beth, o velho-jovem Jack parece dar uma chave para que o sol brilhe na esperança: - "Morrer não é pecado. Pecado é não viver!". LEGENDA FOTO - Um triângulo de reencontros de pais & filhos num dos melhores filmes do ano: Billy (Ethan Hawke), Jack Tremont (Jack Lemmon) e John (Ted Danson) em "Meu Pai - Uma Lição de Vida", em exibição no Lido II.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
29/05/1990

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br