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Aramis

Cassavetes, um talento a espera de descoberta

Se é grande o número de vídeos selados, da pior qualidade, que distribuidoras-picaretas lançam mensalmente no mercado, há também, felizmente, produções que justificam a atenção do consumidor de melhor preparo intelectual. Dois exemplos recentes: a Globo lançou em vídeo, antecipando-se à estréia do filme no circuito comercial, "Rosa Luxemburgo", 1986, 104 minutos, de Margarethe Von Trotta - que deu a Barbara Sukowa o prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes, há dois anos (dividido com a brasileira Fernanda Torres, por "Eu sei que vou te amar", de Arnaldo Jabor). Mais importante ainda - considerando que este filme ainda não chegou às nossas telas - é a edição de "Amantes" (Love Streams), 1984, de John Cassavetes, 141 minutos, lançado pela América Vídeo, do grupo Alex Adamiu - que raramente prima pela qualidade dos filmes que importa. Cassavetes é um dos mais injustiçados cineastas americanos. Ator, diretor, roteirista, nunca chegou a ser um astro conhecido do grande público - embora desde o antológico "Um homem tem três metros de altura" (A man in ten feet tall/Edge of the city), filme de estréia (1957) do diretor Martin Ritt, tenha se firmado como um intérprete notável. Aliás há muito que "Um homem..." mereceria ser reprisado na televisão, especialmente porque foi obra precursora de um cinema social e humano, que, passados 31 anos, não envelheceu - muito pelo contrário, adquiriu ainda maior dignidade - como pudemos confirmar, assistindo uma cópia em inglês, gravada na televisão americana. Inquieto e criativo, Cassavetes integrou-se no final dos anos 50 ao chamado movimento dos realizadores dos Free Cinema em Nova Iorque, e o seu primeiro longa-metragem, como diretor, "Shadows", realizado em 1959, rodado originalmente em 16mm, 81 minutos, foi um realista drama sobre dois negros e suas irmãs na busca de identificação em Manhattan. Com um elenco amador - Ben Carruthers, Leila Goldoni e Anthony Ray mas tendo a trilha sonora de Charles Mingus, "Shadows" é uma obra citada em dezenas de enciclopédias de cinema. Apesar disso, nunca uma única cópia chegou ao Brasil. Já "Husbands" (Os Maridos, 1970), 154 minutos, teve melhor sorte: chegou a ser lançado no Brasil (em Curitiba, foi projetado em apenas oito sessões: num domingo de carnaval no antigo Cine Ópera e, depois, num festival da Columbia, no Scala, quando aquela sala ainda não era o "poeira" do circuito do orgasmo, como acontece atualmente). Com seus atores favoritos - Peter Falk e Ben Gazarra - além dele próprio interpretar um importante papel, "Husbands" foi uma contundente análise do American Way of Life, através da decisão de três homens de meia idade, chocados com a morte de um velho companheiro, decidiram tirar umas férias inesperadas em Londres. Um filme maravilhoso, também merecedor de um relançamento (nos EUA, a Columbia já o editou em vídeo). Outro magnífico estudo sobre a solidão do homem na grande cidade. Seymour Cassel e Gena Rowlands (esposa de John, presençaem todos os seus filmes), com 115 minutos, e que chegou a ter uma semana de exibição no Condor. "Glória", 1980, que valeu premiações a Gena Rowlands (inclusive indicação ao Oscar) é o filme mais conhecido de Cassavetes: Thriller sobre a coragem de uma mulher que decide proteger uma criança, perseguida pela máfia (por ser testemunha do assassinato de seus pais), este filme já foi reprisado várias vezes na televisão. Há, entretanto, pelo menos mais três filmes de Cassavetes inéditos no Brasil: além de "Shadows", fez "Faces" (1968, também com Seymour Cassel), "A woman under the influence" (1974, em Peter Falk), e "Opening Night", com Gazarra, Cassavetes, Joan Blondel, Paul Stewart -, sobre a crise de uma atriz de meia idade, ao voltar a atuar na Broadway. Embora lançado no Brasil, "Minha esperança é você" (A child is waiting), 1963, produção de Stanley Kramer, roteiro de Abby Mann, com Judy Garland, Gena Rowlands e Paul Stewart - sobre crianças excepcionais - também está entre os filmes de Cassavetes que pouquíssimos conhecem. Portanto, eis um realizador com uma obra imensa, a espera de ser revelada para novas gerações. Lançando "Amantes" - com John e Gena nos papéis principais, a América Vídeo dá um exemplo de bom gosto. Alcino Leite Neto, da Folha de São Paulo, definiu muito bem este filme, que até agora poucas locadoras se interessaram em adquirir para os seus acervos: "é um filme sublime. Vai longe demais na observação das condições de subjetividade contemporâneas, das rupturas súbitas de sentido do tempo prolongado demais da solidão. É um filme extenso. Tem a duração apropriada para que se encontre o fluxo sempre furtivo que liga os personagens dispersos e abismados nestes seus circuitos interiores. E este fluxo se chama amor. "Love Streams" não é um filme sentimental. É sobre o que restou do amor, no meio da tempestade". xxx Vídeonotas - Entre os lançamentos programados pela Look Vídeo, "Koyaanisquatsi", de Godfrey Raggio. Mas é o exemplo de filme realizado para ser visto em tela ampla, pois o visual é que entusiasma neste exercício plástico, filmado em várias partes do mundo, sem uma única palavra - apenas a belíssima trilha sonora que praticamente revelou o minimalista Philip Glass para os brasileiros (a música saiu em LP pela CBS). Um desperdício no vídeo. Vídeos para crianças constituem um bom mercado. Por isto a Mega está colocando na praça o terceiro volume da série "Cartoons", intitulada "O cachorrinho apaixonado", com seis historietas. A Master Vision traz um lançamento inédito nos circuitos comerciais, mas sem maiores referências: "A forca" (A man for hanging) dirigida por um certo Jaime Mendonza - e com elenco de desconhecidos. Outro lançamento bastante discutível, da mesma Mega: "Paixão Assassina" (Stay tuned for murder), de Gary Jones. No elenco, ilustres desconhecidos: Terry Reeves-Wolf, Christopher Ginnaven, B.J. Hardin etc. Exibido no IV FestRio - e até agora inédito nos circuitos comerciais, o lacrimogênico dramalhão "Morrer de amor" (Maladie D'Amour), de Jacques Deray, chega em vídeo (Look). Nastassja Kinski, linda como sempre, é amada por Clement (Jean Hughes) mas tem um destino trágico. Pode agradar aos fãs de filme estilo "Love Story". E Nastassja Kinski é sempre um colírio visual.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
8
29/09/1988

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