A "Curityba" amorosa na canção de Paulo Hilário
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de julho de 1986
Vem cá, vem dançar
Que eu vou te contar
Esta cidade, linda, linda
Mil versos vão dar
É Curitiba, é minha vida
Há quatro anos passados, dois compositores - o curitibano Paulo Vítola e o paulista Marinho Galera, realizavam um projeto dos mais amorosos em torno da cidade: "Curitiba da Gente". Em dois elepês, um álbum com fotos, ilustrações e até glossário preparado por Paulo Leminski para os principiantes conhecerem os segredos da cidade - seus personagens, seu folclore, suas ruas e praças.
Agora, a cidade acaba de ganhar uma nova homenagem: uma bela música que abre um dos mais luxuosos álbuns produzidos no Brasil nestes últimos anos: "Música de Paulo Hilário com coro e orquestra" (Polygram/Philips, julho/1986).
É Curitiba, é minha vida
Meu mundo enfim
na rua das flores
No largo da ordem
Ou em qualquer outro lugar
Paranaense de Londrina (12 de agosto de 1944), embora tenha seu registro civil em Apucarana, desde 1956 morando em Curitiba, Paulo Hilário devolve com este disco a cidade em que cresceu e se realizou, um pouco de tudo de bom que aqui encontrou. Afinal, hoje aos 42 anos, casado, dois filhos - Alexis, 12 e Danielle, 9 - diretor-superintendente das Indústrias Todeschini, Paulo Hilário Bonametti é um empresário realizado. Mas a vivência no mundo dos negócios, dirigindo uma das grandes indústrias do Sul - há cem anos no mercado de comestíveis - não retirou seu lado artístico, ele que durante 20 anos integrou conjuntos musicais, fez shows e viveu uma época risonha da cidade, da música.
A ERA DOS BEATLES
A primeira e grande influência foi, naturalmente de Elvis Presley (1935-1977), no garoto de 13, 14 anos que começava a aprender violão e entoava as primeiras canções. Tanto é que lá por 1961, nos tempos pioneiros da TV-Paraná, Paulo César foi procurar Clemente Chem (1929-1970), um dos pioneiros dos musicais em nossa televisão. Paulo queria uma chance no programa "Diga Quem É" e recorda-se que Clemente o chamou em sua sala e disse:
- Toque o violão e cante olhando para os meus olhos. Eles são a lente da câmera.
Paulo tocou uma balada romântica de Elvis, olhando fixamente para os olhos do gordo chinês, enquanto sentia gotas de suor escorrerem em seu rosto. Chem foi objetivo:
- Você tem queda para a coisa rapaz. Pode começar amanhã. O cachê é Cz$ 20,00.
Começava uma carreira. Shows, a formação do primeiro conjunto - The Little Devils, o primeiro disco (no total fez cinco compactos duplos, três na Astor, dois na Chantecler - sendo três individuais).
Curitiba via nascer uma primeira geração de roqueiros. Dirceu Graeser (1941-1983) também fazia suas músicas e, alto, loiro, procurava seu espaço musical. Paulo e Dirceu acabaram animando-se a tentar São Paulo, onde conseguiram fazer alguns programas e serem notícias em revistas.
Os Beatles apareciam com toda a força e Paulo Hilário entusiasmou-se com o quarteto de Liverpool. Na época liderava o conjunto The Marvels que depois abrasileirou-se para Os Metralhas - e que 1964 a 1971 marcou um período da música no Paraná. Interpretando somente músicas dos Beatles, com os arranjos instrumentais e vocais idênticos ao grupo inglês - Os Metralhas ocuparam um espaço. Paulo e seus companheiros - Alfreli Amaral, Vitorio Santos e Arcy Neves (todos, hoje afastados da área musical em termos profissionais) apresentaram-se em clubes e mesmo nos programas de tv, ao vivo que existiam na época. Em 1966, Os Metralhas foram a Miami, onde mesmo sem o green card apresentaram-se em vários shows, faturando dólares suficientes para adquirirem moderníssimo equipamento que trouxeram para Curitiba.
Vai, segue a vida, que o sonho acabou
Esqueça tudo, pense agora, viva só hoje
Tristezas não vão resolver seus problemas
Saiba também, que com fé, você vai ver
("Tributo a John Lennon e Outros Camaradas Maravilhosos")
Chegava a década de 70. O rock perdia a pureza dos anos dourados e começava a se tornar cada vez mais agressivo. E também os integrantes dos Metralhas buscavam novos caminhos - assim como Dirceu Graeser trocava a música pela crônica esportiva.
Mas o sonho musical, a poesia, não morria para Paulo Hilário. Mesmo assumindo outros compromissos - curso de direito, o casamento, as responsabilidades de executivo industrial - continuou a compor, a escrever - tanto em prosa (em 1982 publicou seu livro de contos "Aconteceu no Expresso") e poesia. Assim é que quando o amigo Dirceu Graeser decidiu voltar a gravar, foi Paulo que lhe deu seus dois maiores sucessos: "O Pássaro" e, logo depois, "Tributo a John Lennon e outros camaradas", que em lançamento da Polygram, compacto simples, foi o terceiro mais vendido na temporada - abaixo apenas de sucessos de Nika Costa e dos Rolling Stones.
A morte de Dirceu Graeser foi um rude golpe para Paulo Hilário, seu companheiro e amigo de tantos caminhos. Em compensação, também o estimulou a lhe prestar uma homenagem. Com muitas composições inéditas e tranquilidade para fazer um elepê, começou há mais de um ano a registrá-las em sessões no Sir, com o entusiasmo de outro amigo dos anos 60, o violonista e arranjador Reinaldinho - e a carinhosa participação tanto de companheiros daquela época, como de vozes e instrumentistas de uma geração seguinte. O resultado foi uma fita que começou a circular entre amigos e que quando caiu nas mãos do locutor Paulo Roberto Bosteman, da rádio Ouro Verde, o entusiasmou de forma especial. Paulo acabou falando a respeito para o sempre atuante Roberto Berro, representante territorial da Polygram, que ao ouvir não teve dúvidas. mandou-a para Ely Oliveira, diretor geral de vendas e pedro Alves, supervisor do Sul. A opinião dos executivos de vendas empatou com a de Armando Pittigliani, da área de planejamento e teve o aval de Roberto Menescal, diretor artístico: o material era de qualidade e merecia ser editado. Assim, duas semanas após Berro (48 anos, paulista de Bauru que há 19 anos é um dos campeões de vendas da Polygram) ter ouvido a fita, Paulo era contratado pela Polygram. o projeto do disco mereceu tratamento especial - e se a fita já estava pronta, Hilário fez questão de através de sua agência de propaganda - a Nacional - criar e produzir também a parte gráfica: capa dupla, um encarte com as letras, textos sobre os músicos participantes, muitas ilustrações. E para emoldurar visualmente o álbum, Paulo escolheu entre centenas de fotos da velha Curitiba, três sugestivas imagens do centro da cidade, nos anos 1947/48. Paulo explica esta empatia visual:
- As imagens da Curitiba do final dos anos 40 me emocionam. Uma época em que não havia nem nascido, mas que traduzem uma tranquilidade, uma beleza interna das pessoas, dos velhos prédios -Tão diferente de nossos dias.
Realmente, esta Curitiba diferente, tranquila - está nas músicas de Paulo - que em baladas, swing, valsas e até guaranias - traduz todo um universo de sensibilidade, falando de pessoas, de amores e, especialmente, enaltecendo a cidade em que vive - como o Pantanal matogrossense que tanto aprecia (e no qual passa suas férias anuais) inspirador de duas das mais interessantes faixas: o carnavalito "La Barca Pantaneira" e a guarania "Menina Corumbá".
Paulo Hilário reencontra-se neste disco com vários períodos de sua vida, extrapola sensibilidade e realiza um álbum marcante que, em sua tiragem inicial de 5 mil exemplares, deve esgotar rapidamente - na otimista previsão de Roberto Berro.
Vamos passear/Bem juntos cantar
É Curitiba, linda, linda
Eu vou te mostrar
O verde dos parques
É um sonho a parte
As noites não são nunca iguais
O inverno é dolente
O verão tão ardente
Curitiba é querida demais
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