Denoy e as heranças do CPC no cinema popular
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de junho de 1985
A coincidência de encontrar-se em Curitiba para o lançamento de "O Baiano Fantasma" (Cine Groff, 5 sessões), na última sexta-feira, levou Denoy de Oliveira a participar de mesa redonda sobre o cinema e o teatro nos tempos do CPC, promovido pelo CAHS. Ao lado de Eduardo Coutinho, diretor de "Cabra marcado para morrer", Walmor Marcelino, jornalista e dramaturgo, e Euclides Coelho, animador cultural, dirigente de teatro de bonecos e um dos responsáveis pelo núcleo do CPC-PR entre 1962/64, Denoy deu importante contribuição aos debates, coordenados por Carlos Fernando Mazza.
A iniciativa do Centro Acadêmico Hugo Simas em promover um encontro sobre o Centro Popular de Cultura alcançou tanta repercussão que o projeto não se esgotou na retrospectiva de filmes políticos brasileiros e no debate da última semana. Ao contrário, novas palestras serão realizadas, com a participação de Ferreira Gullar e, possivelmente, de Manoel Berlinck, líder estudantil paulista nos anos 60 e que, em agosto do ano passado publicou um estudo crítico sobre o CPC (Editora Papirus, 120 páginas, Cr$ 5.400,), que passou, na ocasião, desapercebido.
Sociólogo e psicanalista, 47 anos, Berlinck foi um dos líderes estudantis que, há 21 anos, ao ver a UNE em chamas, prisões e perseguições de estudantes, e o fim do sonho do CPC, prometeu: "Ainda vou registrar essa história". Com seu livro, oferece alguns elementos para o melhor entendimento desse período de alta ebulição e criatividade na cultura popular brasileira.
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Tanto Denoy de Oliveira como Eduardo Coutinho participaram, ativamente, do CPC da UNE. Ainda em 1964, Denoy (ao lado de Ferreira Gullar, Teresa Aragão, João das Neves e outros intelectuais) foi um dos fundadores do Teatro Opinião, que ganhou esse nome devido ao show musical com Nara Leão (então iniciando a carreira), João do Valle e Zé Ketti que inaugurou aquele espaço na Rua Siqueira Campos, RJ, durante 20 [anos] identificado como ponto de resistência cultural ao arbítrio e à violência que agitaram o Brasil durante duas décadas.
Como Lambusca, o personagem de "O Baiano Fantasma", Denoy veio do Norte. O pai, Francisco Xavier a quem dedicou o filme, era sapateiro e anarquista, em Belém do Pará, e procurou o Rio para tentar melhorar a vida. Denoy e os irmãos - o também cineasta Xavier de Oliveira e o artista gráfico Rui de Oliveira - sempre tiveram grande identificação com as origens. É o que transmite com muita força e sensibilidade, esse filme premiado com quatro troféus, em Gramado, há dois anos, e que se constitui num dos mais honestos exemplos de cinema popular e político. A idéia de "O Baiano Fantasma" nasceu quando Denoy fazia certo documentário, numa prisão, assunto, aliás, que o fascina (acaba de completar dois documentários a respeito), e procurou, através da trajetória de um "baiano fantasma", na verdade um paraibano (maganífica interpretação de José Dumont, ator já premiado nove vezes) projetar todo o drama de milhões de nordestinos que buscam, inutilmente, os falidos Eldorados do "Sul maravilha".
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A preocupação pelo popular fez Denoy participar, ativamente do CPC, que classifica como "um divisor de águas". Recorda:
"Quem participou dos anos 60, sabe que o CPC foi um dos responsáveis pela reposição do homem brasileiro no centro dos acontecimentos, através de manifestações culturais. Como nunca escondo a minha origem, toda vez que faço um filme comprometido com os operários, os párias, há uma visão preconceituosa de alguns críticos que logo rotulam o filme de "cepecista". Isso me honra, mas nem sempre é correto. Faltam pensadores no cinema brasileiro, especialmente se o filme rompe com os padrões da elite e assume postura popular. Via de regra, a "inteligência", quando não é exigida em seu culturalismo, se sente muito frustrada. E renega a paixão, a razão, os sentimentos primários. Engaja-sentimentos primários. Engaja-se na forma e não se. e o que flui dos personagens. É no embaralhar das cartas, nas regras do jogo, que está o prazer: oiflhar dos jogadores lhe é indiferente".xxxSobre um retorno do CPC, ou ao menos de sua filosofia, a posição de Denoy é muito lúcida:- "O massacre cultural de n mais agressivas e sofisticadas que o CPC. Esta é uma sociedade cada vez mais estanque. E isso é um projeto do sistema. Quem aglutina cultura, hoje, são as redes de televisão, que estão comprometidas com ele. Daí minha esperança no vídeo-cassete. Ele será como o gravador. Você mesmo gera o produto. Isso democratiza tudo. Sua associação com os circuitos fechados, no município, no bairro, no quarteirão, com emissões de difícil controle, poderá competir com as Tvs oficialescas".
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"O Baiano Fantasma" é um filme que, pelo vigor e força, tem a dimensão de outros momentos maiores do cinema brasileiro recente - de "Eles Não Usam Black Tie", de Leon Hirzman, a "Cabra marcado para morrer", de Coutinho - aliás, ambos cepecistas. Um filme-Brasil, realidade, para ser visto e discutido.
LEGENDA FOTO - José Dumont nas filmagens de "O Baiano Fantasma".
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