Em disco, só o reggae e sucessos do passado
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de fevereiro de 1989
A decadência da música de Carnaval foi tamanha na relação de desinteresse em gravá-la e divulgá-la que só mesmo em discos de montagem é que aparecem algumas referências. Para aproveitar o marketing de vendas que o nome Xuxa representa a Sigla montou "Carnaval dos Baixinhos", mas no qual a loira apresentadora não comete interpretações canoras. O repertório é formado por sucessos de conjuntos e intérpretes infantis (Trem da Alegria, Patrícia, a dupla Juba & Lula, etc.) em 29 canções executadas de forma ininterrupta - dando ao disco o único destino: matinês carnavalescas infantis.
Puxadores de samba tentam colocar em álbuns o prestígio que possuem na avenida e assim após Neguinho da Beija-Flor (já com 3 bons Lps solos feitos na CBS) e Dominguinhos do Estácio, surge Gera, pernambucano do Recife, ex-jogador de futebol do Santa Cruz e do ASA, de Arapiraca (Alagoas), que se tornou sambista com o aval de Martinho da Vila e mostra boa voz em "Um canto forte".
Gerônimo, revelação do Carnaval baiano há dois anos com "Eu sou negão", aproveita a época para sair com novo disco - entre vários conjuntos baianos, nos quais o ritmo se confunde com a linha reggae-caribenha - não desprezada nem por compositores da maior força, como Moraes Moreira ("Baiano fala cantando", CBS), que também entra na folia (é bom lembrar que em anos anteriores Gal Costa soube aproveitar o revival carnavalesco, emplacando primeiro lugar com uma regravação de "Estou pegando fogo", 1939, de José Maria de Abreu/Francisco Matoso).
Sambistas da linha pagode - como Jovelinha Pérola Negra ("Sorriso aberto", RGE) ou o grupo Fundo de Quintal ("O sonho tem que continuar...", também RGE) aproveitaram brechas que, em outras circunstâncias, não existiria para o samba que fazem - e que mesmo com o espírito descontraído da alegria carnavalesca - não se equiparam àquilo que se tinha até os anos 60.
Portanto, fica na nostalgia o espírito carnavalesco. Seja através de uma montagem com 24 faixas em dois elepês para animar bailes e festas nas quais não há música ao vivo - como o que oferece "Brazilian Beat - Eternos Carnavais" (o título já é um marketing para atrair turistas) ou então a jogada que Chico, dono da cadeia Moto Discos, faz ao reunir fonogramas da RCA em belas capas criadas por Carlos Nascimento e Ana Beatriz. Já os dois volumes com matrizes da Continental (todas reprocessadas eletronicamente por Ayrton Pisco, o grande mágico da eliminação de ruídos dos paleolíticos registros em 78rpm) tiveram as capas criadas por Francisco Almeida Aguiar e Omar Pinto Ventura na mesma linha da antiga série de reedições carnavalescas quando a Odeon investia na área - hoje ocupada por idealistas colecionadores como Barg ("Revivendo"), Chico (Moto Discos), Milton Varela ("Filigramas Musicais") e José Maria Manzo ("Collector's").
Os cinco volumes da Moto Discos trazem 60 sucessos dos carnavais dos anos 30 a 50 - justamente a época de ouro da música brasileira tradicional. Entre 1933 ("Maria Rosa", de Nássara, com Francisco Alves) a 1954 ("Couro de Gato", Rubens Paiva/Grande Otelo/Popó, com Jorge Goulart) é um mergulho num tempo riquíssimo da criação popular - especialmente nos anos 30 e 40, nos quais, a cada ano, o Carnaval era realmente uma festa musical - que não se restringia a sambas-de-enredo (a propósito, os do grupo 1-A, do Rio de Janeiro, estão num álbum duplo, que a BMG/Ariola colocou nas lojas no fim do ano passado, com o logotipo da cerveja Kaiser na capa - reduzindo assim o custo de produção).
Não é apenas o confete que se tornou pedacinho de colorido de saudade dos carnavais do passado.
Os sambas, marchinhas e marcha-ranchos também...
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