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Aramis

Essas jovens mulheres em sua criatividade musical

Revisando-se o ano com vistas a indicação dos destaques em discos e músicas, não deixa de impressionar a presença marcante de mulheres talentosas. Mais uma vez o óbvio ululante repete-se - embora, haja também uma significativa participação de compositoras e instrumentistas. Há algumas semanas já estamos falando de discos de mulheres e considerando ainda alguns recém-lançados, que ainda não tivemos tempo de registrar - como os de Beth Carvalho e Gal Costa, há de se convir que o saldo foi altamente positivo. Por exemplo, Vania Bastos, uma paulista mignom, esposa de um dos maiores talentos da nova geração, Passoca (Marco Villalba), que ensaiou seus primeiros vôos musicais de baixo da asa protetora de Arrigo Barnabé (notável pelo seu bom gosto em escolher ótimas cantoras para dividir seus shows inovadores), em 1985 já aparecia interpretando uma poesia musicada de Fernando Pessoa (lp "Música em Pessoa", Sigla; faixa: "Quem Bate à Minha Porta), em 1986 um álbum solo (Copacabana) e já dividia com Eduardo Gudin ("Balãozinho", Continental) um belo disco - que não teve, infelizmente, a promoção merecida. Este ano, novamente com Gudin - um talentoso compositor, que supre suas deficiências vocais como intérprete buscando apoios vocais sólidos (desde os tempos de "O importante é que nossa emoção sobreviva"), Vania fez um álbum que, merecidamente a colocou entre as melhores do ano - surgindo para alguns como revelação, apesar de sua carreira já vir de há tempos. Felizmente, graças ao apoio que Antônio Mafra e sua eficiente equipe da Textos & Idéias Assessoria de Comunicação, deu ao disco (edição Eldorado), o mesmo teve boa repercussão, com elogios na imprensa nacional. Lançado em junho, o álbum de Gudin/Vania Bastos, trouxe algumas músicas que a dupla já havia apresentado num show há dois anos (SESC Pompéia), acrescido de canções inéditas e contando com preciosas participações de Edson José Alves (flauta), Roberto Sion (sax), Arismar do Espírito Santo (baixo), Kuballa (cello), Baldur (viola), Jorginho e Fred (percussão). Um disco com uma temática, as músicas se desenrolam como numa suíte - "Mensagem", "Conjunto e Baile", "Estrela", "Confesso", "Paulista", "Lenda", "Cidade Oculta", "Bem Bom", "Balãozinho" e "Verde" - cada uma, em si, merecendo uma apreciação especial e, especialmente, "Conjunto de Baile", entrando em nossa listagem das canções do ano. Eliete Negreiros está ao lado de Tetê Espíndola, Eliana Estevão (esta morando nos EUA), Nó Ozetti, Vania Bastos, Fortuna, entre outras, como uma das gratas revelações musicais dos anos 80. Desde "Outros Sons" (Vôo Livre/Odeon, 1982), como uma presença da melhor vanguarda, numa linha de criatividade que nos lembra mesmo a performática Laurie Anderson, embora sem a tecnologia eletro-acústica da estrela de "Home of The Braves". Seu álbum de 1986 (Copacabana) esteve entre os melhores daquele ano mas, infelizmente, teve pequena circulação, mantendo-se ainda num circuito restrito, como intérprete cult (prova disto é que até hoje nunca teve chances de se apresentar em Curitiba). Justamente para tentar chegar a uma faixa mais ampla capaz de apreciar seu estilo cool, voz doce-veludo com swing de bossa nova revisitada, Eliete chega ao seu terceiro álbum com um sincretismo no repertório, aberto que vai de versões de Stevie Wonder ("Never Dreamed You") a uma jóia de seu ex-produtor, o londrinense Arrigo Barnabé ("Lullaby", outra das canções do ano), passando pelo também vanguardista Itamar Assumpção ("Profecia Furada") e mostrando seu lado de compositora ("Outros Mares", parceria com Eduardo Gudin; "Estranho Coração", "Encanto Noturno"). Numa linha de autores jovens - "Coração Urbano"(Arnaldo Saccomani/Thomaz Roth); "Minha Vida Num Instante" (Guilherme Arantes), Arnaldo Antunes ("Pare o Crime") e Julinho Camargo ("Tudo que eu quero é te amar"), Eliete mostra neste elepê (Continental), um dos destaques de 1989. Enquanto a baiana SARAJANE assume cada vez mais a sensualidade afro-brasileira e faz de "Sotaque Brasileiro" (EMI/Odeon) um dos discos de maior balanço do ano, com composições de autores da boa terra como Edson Maravilha, Joccy, Vevés Calasans, Gerônimo - ao lado de versões apropriadas ao estilo baianês, a carioca Paula Toller, hoje Sra. Caetano Veloso, em seu álbum solo (WEA), mostra a faceta de compositora, dividindo parcerias com o cineasta Luís Farias ("Agora Sei" e "Sexo e Dólares"), George Israel ("Todo Meu Ouro", "Cantar em Inglês", "Promessas de Ganhar", "Paris, Paris") e Cazuza ("De Quem é o Poder"). Amparada em bons arranjos e músicos identificados ao seu estilo, Paulinha Toller dá o seu recado a uma faixa jovem, que admira há muito suas atuações - e a curte agora como musa inspiradora de Caetano Veloso, que no último elepê ("Estrangeiro", Polygram) lhe dedicou inclusive uma faixa. Um destaque deste álbum é sua programação gráfica, criada por Gringo Cardia e Flávio Colker, candidato a merecer uma premiação no evento patrocinado pela Sharp e que destaca inclusive as melhores capas dos álbuns editados no Brasil. QUAIS AS REVELAÇÕES FEMININAS DO ANO? A grosso modo, até Marisa Monte poderá ser lembrada nesta categoria, já que foi em 1989 que a carioca desbundou artisticamente, vendendo mais de 300 mil cópias de seu primeiro álbum (Odeon). Só que Marisa já vinha sendo preparada há quase dois anos pelo pigmaleão Nelson Motta, de forma que não se pode incluí-la na categoria revelação 89. Revelação foi a gaúcha Adriana Calcanhotto, que da noite gaúcha ganhou mais generoso espaço na mídia nacional a partir do momento em que a atriz Maria Lúcia Dahl passou a protegê-la. Antes mesmo de seu elepê (já gravado na CBS, e pronto para sair no primeiro trimestre) já fez shows de sucesso, esteve no Festival de Montreau e terminou o ano participando da versão brasileira da trilha sonora do desenho animado "Oliver & Company" (cine Bristol, em exibição), com a faixa "Perfeição Existe". Revelação, a sua maneira, também é a felliniana Annie Perec, também gaúcha, que chega num dos mais bem humorados discos deste final de ano. Começou como contra-regra, sonoplasta e iluminadora, vejam só, mas isto lhe deu know how sobre os bastidores do teatro. Misturou o rock com a MPB e numa linha de irreverência que tem caracterizado grupos paulistas como Rumo, Premeditando o Breque e Joelho de Porco. LEGENDA FOTO 1 - Eliete Negreiros: inventividade vocal. LEGENDA FOTO 2 - Annie Perec: revelação com humor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
17
04/02/1990

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