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Aramis

Gênio do povo

Se a característica de um multinstrumentista/criador como Hermeto Paschoal é uma intensa voltagem de improvisação/inovação, um compositor como Carlota atinge justamente pela simplicidade poesia. Apesar de ser um extraordinário violinista, seguro no domínio do instrumento, Carlota - Angenor de Oliveira, 70 anos, patrimônio maior da música brasileira em suas raízes mais autênticas - tem a filosofia, a apureza, a sensibilidade do homem do povo, que faz ser um poeta dentro da música da mesma grandeza de um Carlos Drummond de Andrade, "Carlota 70 anos' (RCA Victor, 103.0278), produzido por seu amigo Sérgio Cabral - ao lado de Hermínio Bello de Carvalho, um dos primeiros a se lembrar de revalorizar este gênio absoluto da criação popular - se inscreva na categoria dos discos que dispensam maiores adjetivações. No ano passado, quando completou 70 anos - efeméride comemorada, com uma série de eventos, a Ordeon reeditou "Fala Mangueira", elepê que Hermínio produziu em 1968 e onde Carlota gravou algumas faixas, ao lado de outros nomes do maior respeito para quem sabe apreciar a arte(autêntica) do povo, como Aracy Cortes, Carlos Cachaça, Nelson do Cavaquinho e Clementina de Jesus. Hoje, felizmente, Carlota é um nome nacionalmente reconhecido e admirado - embora tenha passado praticamente 64 anos olvidado dos esquemas empresariais, vivendo modestamente. Mas talvez seja por isso mesmo que conservou a pureza, a sinceridade, a espontaneidade - que o faz ser cada vez mais profundo em suas palavras, feliz em suas harmonias, criando canções que falam de amor & desamor, encontros & desencontros, alegrias & tristezas, enfim das coisas simples, e que por serem simples nos atingem tão profundamente. Seja fazendo letra e música, como "Fim de Estrada", "Enquanto Deus Consentir", "Evite Meu Amor", "Bem Feito" ou "Feriado na Roça"(esta uma temática rural, com um toque diferente em sua obra de homem eminentemente urbano) ou seja trabalhando com parceiros como Roberto Nascimento ("O Inverno do Meu Tempo", "A Cor da Esperança - ME Graças, Senhora"), Nuno Veloso ("Sensões"), Elton Medeiros ("Mesma História") e, principalmente, o grande Carlos Cachaça ("Ciência e Arte" e "Silêncio de Um Cipreste"), Carlota nos inibe ao se registrar seus discos. A emoção é tão grande, a admiração cada vez maior, que as palavras faltam e só pode ficar a repetição do óbvio ululante: um gênio único em sua simplicidade, mestre de toda uma geração - e que teve ao meno a alegria de ver surgir um discípulo que aprendeu bem suas lições: Paulinho da Viola. Se Elizeth Cardoso é a Divina, como cantora, Carlota é o Divino como compositor. *** Compositor das mesmas origens de Carlota, que como ele também levou muitos anos para ser reconhecido nacionalmente - e ainda hoje enfrentando certas incompreenções - Zé Ketti (José Flores de Jesus) há alguns anos não fazia nenhum disco. Felizmente, seu aproveitamento do Projeto Pixinguinha o trouxe novamente em evidência abrindo-lhe as portas da Continental para que pudesse mostrar um punhado de novas e belíssimas músicas no LP "Identificação", produção cuidadosa de Wilson Miranda, que não só lhe deu condições de apresentar-se com ótimos músicos, como ainda, como cantor, participou de 2 faixas - "Você Não Foi Legal", e "Você Não Está Com Nada", por sinal, duas das canções menos fortes neste álbum. Com diferentes parceiros - Courão Filho ("- Tamborim"), Dáblio Namor ("- Companheira"), José Carlos Rego ("Feijão Malandrinho"), Serafim da Costa Almeida ("Último Momento"), Zé Ketti não poderia deixar de incluir um de seus maiores sucessos, "Máscara Negra" (parceria com Pereira Matos). Mas são as duas últimas faixas - "Meus Cabelos Brancos"(com Geraldo Gomes) e "Linhas Cruzadas" (com Carlos Santos) que Zé está nos seus melhores momentos - com músicas dignas de um Nelson Cavaquinho. E é o quanto basta para justificar a aquisição deste elepê. FOTO LEGENDA- Zé Ketti 70
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Jornal da Música
1
22/04/1979

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