Hawks (e John Wayne) salvam cineasta alemão de acidente
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de abril de 1989
Uma espécie de "Cidadão Kane" refilmado pela ótica de Fellini. Eis uma definição que caberia a "Francesca", pequena obra-prima, produzida em 1986, dirigida por uma cineasta de 38 anos, Verena Rudolph, e que após ter sido apresentada no Festival de Berlim, há 3 anos, foi premiada em Varbricken e recebeu também outras distinções. O melhor dos nove filmes apresentados na mostra Filmes Alemães da Nova Geração, encerrada ontem (cine Luz) e que teve casas lotadas todas as noites, com um público jovem e entusiasta.
Pena que os fãs de Fellini não tenham visto este filme-ficção (mas realizado como um documentário) sobre a trajetória de uma personagem que não aparece em nenhum momento - de sua infância num convento da Baviera até o final da vida, místico, numa pobre região do Sul da Itália - tendo passado pelos estúdios de Cinecittá. E justamente este episódio possibilitou a Verona Rudolph utilizar uma dezena de atores e atrizes de composição dos filmes de Fellini - presentes e marcantes em toda sua obra, mas absolutamente anônimos. Uma seqüência emocionante - que tanto pode ser vista como uma homenagem como uma crítica ao maior dos cineastas italianos.
"Francesca" como os outros oito filmes que o Goethe Institut trouxe para esta mostra dificilmente serão lançados comercialmente no Brasil - pois representam primeiras obras de uma nova geração de cineastas formados pela Fernsehakademie Berlin e Hochschule fur Film und Fernsehen Munchen nos últimos 5 anos.
Verona Rudolph acompanhou a mostra em Brasília, mas teve que antecipar seu retorno para começar a tratar da produção de um novo filme. Para Curitiba veio Reinhard Munster, 34 anos, ex-estudante de agronomia, e que estreou com "Dorado - Passagem Sem Retorno", realizado em 1984, com um mínimo orçamento (apenas 27 mil marcos).
Uma crônica sobre as dificuldades de fazer cinema na Alemanha - que apesar de todo seu progresso, inclusive da indústria cinematográfica, também sofre problemas intrínsecos de produção - "Dorado" tomou apenas por empréstimo o título do filme que Howard Hawks (1896-1977) realizou há 12 anos, uma espécie de seqüência a outro de seus westerns, "Rio Bravo", de 30 anos passados - ambos estrelados por John Wayne (1907-1979). Na sexta-feira, explicando-nos que o seu filme nada tinha em comum com o filme de Hawks, Reinhard Munster nos confidenciava:
- "Eu nunca vi, aliás, o filme de Howard Hawks."
- Então v. terá chance de assisti-lo hoje, à meia-noite, pela televisão - lhe informamos.
Eram 23h45 e Reihnard correu para o Hotel Araucária, onde estava hospedado.
Domingo à noite, comentaria:
- Eu me entusiasmei com o filme e mesmo sendo dublado deu para entender sua estrutura. Só que acabei ficando acordado até tarde e devido a isto decidi viajar no sábado para Paranaguá de ônibus ao invés do trem.
Bruno Weber, que é o tradutor das promoções do Goethe, em Curitiba, acrescentou:
- E graças a isto, escapou de sofrer o acidente com o trem, que tombou na manhã de sábado, quando v. iria viajar.
- É, foi realmente uma salvação - disse Reinhard.
- Então John Wayne o salvou da morte! - brincamos.
- Não diria exatamente John Wayne. Mas Howard Hawks, sem dúvida...
A mostra do novo cinema alemão está sendo apresentada desde ontem em Porto Alegre. Infelizmente, quem não foi ao Luz, de sexta a terça-feira, perdeu a chance de conhecer obras de cineastas criativos, que trabalhando com pequenos orçamentos - filmes em preto & branco, na maioria temas urbanos (exceto "Francesca"), apresentam uma visão da força do novo cinema alemão. Nomes hoje desconhecidos - Verena Rudolph, Munster, Daniel, Helfer ("O Recorde"), Alfred Behrens ("Walkeman Blues"), Anja Franke ("O Mesmo Para Você"), Michael Laux ("Richy Guitar"), entre outros, mas que, nos anos 90, poderão serem tão famosos como são hoje Wim Wenders, Werner Herzog e Schlondorff.
LEGENDA FOTO - O cineasta alemão Munster foi salvo do acidente ferroviário, no sábado, por Hawks e John Wayne.
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