A herança maldita para o governo Dias
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de janeiro de 1987
Faltando 60 dias para a posse do governador Álvaro Dias, as especulações fervem no caldeirão político. Definidos já os integrantes do primeiro escalão - em escolhas das mais felizes e que mostram a independência e disposição de Álvaro em fazer um governo expressivo (ao contrário de seu antecessor, José Richa), passam-se a outras preocupações. E uma delas é, justamente, a da chamada herança tanto da administração Richa como do governo-tampão de João Elísio.
Embora homem de partido, no MDB desde sua fundação - e pela qual, há 20 anos, se elegeu vereador em Londrina (para o que ajudou muito a popularidade que conquistou como apresentador do programa "É Uma Brasa!", na Rádio Atalaia), Álvaro Dias chega ao Palácio Iguaçu com sucessivas vitórias. Reconhece, obviamente, o trabalho dos companheiros de partido, o apoio de Richa e outros caciques do PMDB, mas nem por isto sente-se de mãos atadas, obrigado a engolir cobras, sapos e outros répteis peçonhentos que, por força de discutíveis "ajustes políticos", saíram dos pântanos do anonimato para, a partir de 1983, influírem no governo do Estado. Se estes répteis foram cultivados por Richa - em sua timidez e falta de maior visão administrativa e política - nada obriga que Álvaro Dias, jovem, com uma carreira de muito espaço, seja obrigado a engoli-los. Ao contrário, tem que devolvê-los às charnecas de onde nunca deveriam ter saído.
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Assim, a partir do momento em que convidou personalidades de expressão para o secretariado - buscando pessoas capazes de darem ao Paraná uma grande contribuição - Álvaro marcou pontos e conquistou inclusive simpatia (e apoio) até de quem via com preocupação o futuro de nosso Estado - incapaz de suportar mais uma desastrosa administração marcada por vinganças, perseguições, mediocridade e o patrulhamento ideológico-partidário.
Claro que tudo tem um preço e a independência de Álvaro Dias vai custar, a partir de agora, as primeiras distensões internas, de pessoas que, apenas por terem se engajado na campanha, julgam--se com o direito de fazerem cobranças e imporem exigências. Mais grave, porém, é o comprometimento que possa existir em algumas Secretarias de Estado ou empresas a elas vinculadas, através de contratos, obras, compromissos, enfim, tudo aquilo que implique em neutralização de recursos financeiros para a próxima administração.
O próprio governador eleito Álvaro Dias tem se mostrado atento a esta questão, pois, se de um lado, o governador de transição João Elísio procurou não criar traumas administrativos - e por isto conciliou com os ocupantes da administração José Richa (muitos dos quais, aliás, deveriam ter sido substituídos), por outro há o germe do antigo Partido Popular (leia-se Jaime Canet Júnior, parente e protetor maior de João Elísio). Que, a estas alturas, já tem pronto todo o lobby capaz de conduzi-lo a um cargo na administração federal (fala-se até que teria cacife para disputar a presidência da Itaipu, em substituição ao ex-governador Ney Braga) e mantê-lo em evidência pelos próximos quatro anos, em condições de voltar, como candidato a governador, nas eleições do final da década. Um longo período - que em política é muito pantanoso, já que as mudanças são rápidas, muitas vezes em questões de horas.
Para João Elísio - com uma boa imagem de administrador sério e correto - não convém deixar uma herança desagradável a Álvaro. Muito menos comprometer recursos e inaugurar obras feitas a toque-de-caixa, discutíveis e que só contribuirão para o desgaste da administração que agora acaba.
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