Parece até ironia, de muito humor - uma das marcas de sua vida e sua obra: doente, sabendo que tinha poucos meses de vida, John Huston escolheu o conto "The Dead", do irlandês James Joyce (1882-1941) para transpor à tela. Autor de uma obra maravilhosa, marcada por personagens rijos, de fortes personalidades e quase sempre com muita ação, fez como canto de cisne um filme camerístico, introspectivo, reflexivo - um réquiem para quem, em 60 anos de atividades, deu alguns dos mais belos momentos ao cinema. "Os Vivos e os Mortos" (Cine Ritz, 5 sessões: lançamento simultâneo em vídeo pela Look, já nas locadoras) é a última obra-prima que o diretor de "O Tesouro da Sierra Madre" nos legou. Conseguindo transpor da (sempre difícil) obra do autor de "Ulisses" um de seus mais significativos contos (publicado em 1912), com o roteiro de seu filho, Tony Huston, o velho John oferece um filme que tem o ritmo de uma peça de câmara, com ação (uma festa familiar, na velha Dublin, reunindo vários personagens) e tempo (apenas 70 minutos) perfeitos: a emoção dos convidados do jantar que anualmente as irmãs Kate, Julia e Mary (Helena Carrol, Catheleen Delany e Ingrid Cragie) oferecem ao espectador é profunda, embora necessite uma integração olho-emoção-reflexão. "The Dead" exige uma atenção especial do público, um mergulho nos personagens e, especialmente, muita atenção nos diálogos, para captar toda a beleza de uma obra emoldurada por uma fotografia perfeita (Fred Murphy) e cuja trilha sonora (Alex North) se integra com rara perfeição. Anjelica Huston, filha do cineasta - e único nome conhecido no elenco, compõe uma personagem marcante, a melancólica Gretta - num trabalho notável. Os personagens que povoam a festa das velhas irmãs, em seus conflitos, sonhos reprimidos e amores proibidos, oferecem muitas leituras. Apesar de ter dirigido muitas seqüências com seríssimas dificuldades físicas (inclusive, no set de filmagem foi instalado uma cabine de oxigênio para poder respirar), o mestre Huston mostrou, até o último suspiro, estar em plena forma. Depois deste "The Dead", o velho diretor e ator ainda tentou mais uma vez: estava interpretando um dos personagens num filme dirigido por seu filho Tony, quando morreu em 28 de agosto de 1987. Tinha 81 anos. Além de "Os Vivos e os Mortos", (Ritz) - a melhor estréia da semana - há outras opções interessantes em exibição. Uma comédia valorizada pela sensualidade da nova sex-symbol americana, Kim Bassinger - "Minha Noiva é uma Extraterrestre", direção do ex-ator Richard Benjamin, pode atingir uma grande faixa de público (Bristol). Aos que curtem o terror explícito e que tem estômago forte, "A Mosca II" (The Fly II), de Chris Walas, chega (Plaza) com cenas das mais chocantes. A boa idéia que Kurt Newman desenvolveu há 31 anos ("A Mosca da Cabeça Branca") transformou-se num festival chocante na refilmagem da mesma história. O exagero, agora, é horripilante, segundo a crítica, mas o filme deverá faturar bastante. Também na linha de terror, duas outras estréias: "Mansão da Morte", de Carol Frank (São João), e, com um pouco mais de charme, "Brinquedo Assassino" (Child's Play), de Tom Holland (Condor). No mais, há reprises: "O Baiano Fantasma", de Dency de Oliveira no Groff; "Erendira", de Ruy Guerra, no Guarani, enquanto os bons de bilheteria continuam em cartaz: "Nas Montanhas dos Gorilas", a cinebiografia de Dian Fossey no Cinema I; "Rain Man" (Lido II); "Acusados" (Lido I); "Tiras Especiais" (Itália) e "Os Três Fugitivos" (Astor). Na sessão da meia-noite de hoje, no Groff, o intrigante "Monalisa". LEGENDA FOTO - Baseado em conto de Joyce, "The Dead": filme introspectivo, camerístico.

Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:

Veiculo: Estado do Paraná

Caderno ou Suplemento: Almanaque

Coluna ou Seção: Nenhum

Página: 1

Data: 27/05/1989