A invasão paranaense que colonizou o Sul
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de fevereiro de 1990
Se a questão do nome de Palmas seria inspirado nos coqueiros butiás da região ou uma homenagem ao Conde de Palma, o capitão-general-governador da Capitania de São Paulo em 1816, dom Francisco de Mascarenhas, é apenas um pequeno detalhe na dissertação de mestrado da professora Roselys Velloso Roderjan. O corpo de seu trabalho traz idéias bem mais profundas - que justificam, plenamente que a mesma ganhe edição o mais rapidamente possível.
A simples questão de se o chimarrão foi levado ao Rio Grande do Sul pelos paranaenses, conforme defendeu o procurador da Justiça (e pesquisador nativista) Joaquim Tramujas no livreto "Passe a cuia, tchê!" (edição Leite Quente, Casa da Memória, 1989) já irritou os gaúchos. Roselys, com o rigor acadêmico (que faltou no trabalho de Tramujas) fez um estudo de fôlego, destinado a ter maior repercussão. Amparada em estudos sobre o tropeirismo e o detalhamento das principais famílias que entre os séculos XVI a XIX palmilharam os caminhos do Sul, mostra que ao menos cinco municípios do chamado planalto médio do Rio Grande do Sul tiveram uma formação básica paranaense - o que se observa até hoje no sotaque e em costumes arraigados: Cruz Alta, Carazinho, Ijuí, Passo Fundo e Soledade.
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Foi um historiador gaúcho, o médico e pesquisador Pedro Ari Veríssimo da Fonseca, da cidade de Passo Fundo, autor de dois livros importantíssimos ("Tropeiros de Mula" e "Formação do Gaúcho") que não só estimulou a Roselys desenvolver a sua pesquisa, como ainda a auxiliou na orientação bibliográfica - razão pela qual a dissertação de mestrado foi a ele dedicada. Defendida em 27 de outubro de 1989 na Universidade Federal de Santa Catarina, perante banca examinadora formada pelos professores Carlos Humberto Corrêa (seu orientador) e Rufino de Almeida, da UFSC, mais Ruy Wachowicz, da Universidade Federal do Paraná, a tese foi aprovada. Agora, Roselys está fazendo a revisão final, com pequenas correções - tendo assim um trabalho excelente para ser publicado. Como, infelizmente, as possibilidades editoriais no Paraná são mínimas - embora o secretário René Dotti já tenha mostrado boa vontade e inclusive ajudado na confecção das cópias em xerox, Roselys pensa em oferecê-la a editores gaúchos (Martins editor, Mercado Aberto, Sulina), sempre atentos a textos básicos que enriqueçam a bibliografia histórica daquela Estado.
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Ao longo dos oito capítulos de seu trabalho, Roselys centrou-o na ocupação e povoamento inicial dos três planaltos do Paraná, abordando a expansão do povoamento para o Sul - daí chegando ao Rio Grande do Sul - onde se formaram gradativamente novas comunidades campeiras.
Curitiba foi a célula fundamental no povoamento para os demais planaltos paranaenses a partir do século XVII. Ocupados os seus campos, o povoamento se estendeu no século XVIII para os Campos Gerais, no segundo planalto paranaense, acrescido de novos contingentes populacionais, constituídos na sua maioria de paulistas e portugueses. Assim, pelo Caminho do Viamão - também chamado Estrada das Tropas, que cortava os Campos Gerais essas populações seguiram para o Sul, alcançando os campos de Vacaria, de onde se dirigiram para o Oeste, pelo antigo caminho das Missões e atingindo o Planalto Médio do Rio Grande do Sul - formando povoações como Cruz Alta (coincidência: por três vezes, um prefeito daquele município foi o médico José Westphalen Corrêa, lapeano), Carazinho (a cidade natal de Leonel Brizola), Ijuí, Passo Fundo e Soledade. E foram nas novas comunidades campeiras surgidas na região na terceira década do século XIX que os paranaenses constituíram a maioria dos seus primeiros povoadores. "Nelas é reproduzida o mesmo tipo sócio-econômico da vida das comunidades paranaenses, intimamente ligado ao ciclo do tropeirismo e caracterizado pelas relações de parentesco", afirma Roselys.
Para estabelecer os laços de parentesco e a transmissão de expressiva herança cultural - "importantes traços que identificam ainda hoje as comunidades campeiras dos planaltos meridionais do Brasil" - Roselys mergulhou fundo na busca das origens genealógicas dos primeiros povoadores dessas comunidades, evidenciando uma ligação contínua de parentesco, que partiu de famílias emigradas da São Paulo seiscentista para os planaltos da Região Sul, constituindo suas células fundamentais de povoamento.
Assim, seu estudo buscou (e ampliou) os estudos genealógicos paulistas elaborados por Sílvia Leme e Pedro Taques, assim como do paranaense Francisco Negrão - obra que, por sua importância, há muito já mereceria ter uma reedição e, possível, interpretação (já que uma atualização demandaria esforços imensos, de uma verdadeira instituição genealógica).
Roselys mostra também que nas primeiras décadas do século XIX, novas comunidades campeiras, oriundas das células fundamentais (familiares) do primeiro e segundo planaltos paranaenses, estenderam-se para o Oeste, ocupando os campos de Guarapuava e Palmas, no terceiro planalto paranaense. O ciclo de expansão dessas populações se completa, quando elas abrem o novo caminho das Missões, importante rota do tropeirismo a partir de meados do século XIX.
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