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Aramis

Lalo, bicho das Mercês, pianista do mundo

Se algum turista curitibano de passagem por Helsinque, e, bem abonado, estivesse disposto a pagar uma diária que chega até a US$ 400 no cinco estrelas Hotel Hesperia (Manneheimintic, 50), na temporada entre 31 de agosto a 26 de setembro de 1987, teria encontrado num dos mais luxuosos pianos-bares da Europa, nada menos do que o curitibano Lalo exibindo seu infindável repertório. Dois meses antes, o mesmo Lalo - no registro civil Ladislau Rodrigues Ferreira, curitibano das Mercês, do dia 3 de setembro de 1932 - havia encerrado sua temporada no La Mamounia (Avenue Bad Djedid), que tem o requinte de oferecer as chaves de suas suítes em ouro - e cuja perda ou extravio acarreta o pagamento de US$ 1.500 por parte do hóspede. De ambos estes hotéis, o curitibano Lalo saiu com convites para retornar em temporadas neste ano e levando, fato inédito, cartas de recomendações, para orgulho de seu empresário, o francês Bob Calfati (instalado na Rue de Magnam, 27, Paris) que, no final do ano passado, numa convenção de empresários artísticos da Europa, citou Lalo como exemplo de profissional - tanto em termos musicais como de comportamento. Em férias curitibanas, com uma razão muito afetiva - na próxima sexta-feira, dia 5, comemora seus 25 anos de casamento com Jussara Franco Ferreira, numa cerimônia simples, na Igreja das Mercês ("onde fui batizado, fiz a primeira comunhão, casei e onde foram batizados meus três filhos"), se possível com o mesmo frade Chico, que uma de suas irmãs, Didi, estava tentando localizar até ontem. Para passar esta data tão significativa em Curitiba, Lalo se deu ao luxo de recusar um contrato internacional, que lhe daria ao redor de US$ 100,00 por noite. Mas não tem motivos de se queixar: dia 28 de fevereiro retorna para Bruxelas, onde tem seu apartamento (103, Rue Marché au Charbon, fone 512-7628), para retomar o trabalho, em nada menos do que dois dos endereços mais sofisticados da capital da Bélgica, das 17 às 19 horas, no "Lovely Garden" (205, Rue Stévin), uma "Snack Taverne" de propriedade da bela Anne Marie Szur - e, a partir das 20 horas, no restaurante "Los Grecos" (na mesma Rue Stévin, 160), do casal Costa e Nicolle - ambiente especializado "em música e danças folclóricas", mas que o tem, como pianista, atração há meses de fregueses regulares. Curitibano Lalo - O mais velho de três irmãos músicos - o baterista Juca e o violinista Lápis (ver box nesta página), filho de um carioca que chegou ao Paraná no início do século e aqui teve uma numerosa família - Abelardo Rodrigues Ferreira (24/10/1896 - 03/08/1948), com dona Maria Luiza Chichorro (06/02/1903 - 16/06/1980), Lalo aprendeu violão com o seu pai - que para garantir a sobrevivência da numerosa família (teve 20 filhos) trabalhava na Prefeitura de Curitiba. A mãe, dona Maria Luiza, não gostava de ver o garoto Lalo tocar violão e cavaquinho, mas quando ele ganhou seu primeiro cachê tocando "Brasileirinho", no "Cineac Rádio", que o falecido Souza Moreno apresentava na PRB-2, começou a mudar de idéia. Afinal, o velho Abelardo havia morrido e todos os filhos precisavam ajudar o orçamento doméstico. Um vizinho da família Ferreira, o velho João Gomes, maestro da Orquestra Odeon (ainda está vivo, embora gravemente doente), impressionou-se com o talento de Lalo e o convidou para integrar a sua orquestra. Começava, então, uma carreira profissional que jamais seria interrompida. Nestes últimos 30 anos, Lalo tocou em inúmeras orquestras e conjuntos que se formaram em Curitiba mas se firmou, sobretudo, como pianista e organista em estabelecimentos noturnos passando por casas como a saudosa "Gracefull" (na época que a primeira quadra da Alameda Cabral fervilhava na madrugada), "Bangalô", "Maxin's", "Madaloso" - entre tantos outros endereços, e, por último, no "Fornello", cujo proprietário, o gordo Ariberto Romano, foi dos que mais incentivaram Lalo a viajar para a Europa. Lalo Internacional - Embora músico profissional que trocou o violão pelo piano ainda nos anos 50 ("Quando Lápis começou a tocar violão, achei que dois violinistas numa mesma família era demais"), Lalo sempre foi previdente: abstêmio, embora convivendo na madrugada, sempre teve uma tranqüila vida familiar. Pensando na segurança da esposa e três filhos - Maria Luiza, 24 anos (casada com Floriano Lachowski, mãe de Rafael, um ano, seu primeiro neto); Abelardo Neto, 22 anos, baixista e baterista, e Ladislau Júnior, 19 anos, Lalo foi, por 30 anos, funcionário da Secretaria do Trabalho, aposentando-se em 1981, após muitos anos de funções diversas no Instituto de Assistência ao Menor. - "Então senti que poderia tentar alguma coisa fora de Curitiba". Aceitou o convite do irmão Juca para encontrá-lo na Europa. A primeira temporada foi com o grupo "Brasil Tropical" que, sediado em Bruxelas, se apresentava em dezenas de cidades em toda a Europa, com música e danças brasileiras. Com este grupo, Lalo trabalhou por um ano, retornando em junho de 1982. - "Eu estava com saudades da família e senti que precisava readquirir forças!". Juca, baterista de mão cheia, acabou deixando o grupo e junto com a esposa, a bailarina Teresa, formou um pequeno conjunto e conseguiu alguns contratos. Chamou novamente Lalo e juntos trabalharam até o fim de 1986. Foi então a vez de Juca retornar ao Brasil: fora do Brasil já há quase 12 anos, com dois filhos menores - Vanessa, 10 anos e Rogério, 6 anos, sentia que era melhor retornar ao seus país. Foi então a vez de Lalo permanecer. - "Já havia aprendido francês e inglês suficiente para não morrer de fome e começaram a aparecer os primeiros trabalhos como pianista". No restaurante Los Grecos conheceu um amigo do empresário Bob Calfati que - feliz coincidência - lodo depois precisava contratar um pianista para uma temporada no hotel La Mamounia, na capital do Marrocos. Enviou passagem aérea para Lalo ir a Paris e fazer um teste. - "Concorri, então veja só, com quatro pianistas experientes: um inglês, um francês e dois americanos. Um deles já tinha tocado até com Ray Charles e outro se apresentado na Casa Branca, para o Reagan. Quando vi os curriculuns deles, pensei: estou ralado...". Mas surpreendentemente, Lalo foi o escolhido. Por que? Explica: - "É simples! Bob, o empresário, queria um pianista que conhecesse um grande repertório e fizesse música ambiente. Os outros eram ótimos jazzistas". Repertório nunca foi problema para Lalo. Sempre orgulhou-se de conhecer qualquer tema solicitado pelos clientes e, certa ocasião, num programa ao vivo, na TV Iguaçu, desafiou quem lhe pedisse um tango que ele não conhecesse. Resultado: ninguém conseguiu lembrar uma música que ele não soubesse. Esta experiência - mais um decálogo (ver texto anexo) que sempre observou - o fizeram agradar tanto aos milionários hóspedes do La Mamounia, como em Helsinque, no Hesperia. Bons contratos - suficientes para lhe permitir trazer dinheiro que tornaram possível uma grande reforma em sua casa na Rua Teodoro Breirhapt, no bairro do Abranches. Depois de cumprir as duas temporadas nestes luxuosos hotéis ("Só não encontrei curitibanos porque o preço nas diárias desestimula qualquer turista, mesmo os ricos, vindos do Brasil"), Lalo voltou para Bruxelas, "que pela sua tranqüilidade lembra Curitiba e ficando bem no centro da Europa é a cidade ideal para se viver". Ali, já com bons amigos - e agora os dois contratos no "Los Grecos" e "Lovely Garden" tem condições de continuar a fazer um bom pé de meia. Os contratos (já devidamente registrados no consulado da Bélgica em Curitiba), lhe dão opção de interromper o trabalho para fazer novas apresentações em Marrakesh e Helsinque - entre outros compromissos internacionais. Mostrando o calendário que o seu empresário mandou confeccionar, anunciando-o, em português "Conte os dias que eu conto com você", centenas de fotos documentando suas vivências na Europa, o bom Lalo, jovial, elegante e feliz, não esconde seu curitibanismo: - "Tudo é bonito e muito bom. Mas é claro que vou retornar um dia, pois o que estou fazendo na Europa é ganhar aquilo que no Brasil jamais conseguiria. O mais duro é a saudade dos amigos, da família e do pinhão que faz falta - e por isto, sempre peço aos amigos para mandarem". Os 10 Mandamentos do piano-bar - Qual que receita para ser um profissional de sucesso num piano-bar? Com sua autoridade de mais de 30 anos de música - e há dois no Exterior - Lalo resumiu para "O Estado" seu decálogo de sucesso. 1. O pianista de piano-bar não é atração. Portanto, deve tocar suave, discretamente, sem se importar com os clientes que ali estão bebendo, e, naturalmente, conversando. 2. Escolher um repertório agradável. De princípio, temas de filmes, que sempre são mais conhecidos. 3. Aceitar, sorridente, as sugestões e pedidos dos fregueses. 4. Ter "feeling" para sentir a procedência do freguês e escolher a música que identifique seu país. Estimulá-lo, se for o caso, a cantarolar o tema. 5. Saber adequar o repertório de acordo com a idade do público. Se a freqüência é jovem, procurar músicas recentes. Se for de pessoas acima de 40 anos, deixar a saudade funcionar em termos sonoros. 6. Estar sempre bem apresentável: barbeado, elegante, sem exageros. 7. Procurar - importantíssimo - manter o sorriso, mesmo quando cansado ou chateado. 8. Entender que o freguês é o mais importante. Não adianta querer ser recitalista ou virtuose solista num ambiente em que a música faz parte do espaço como um serviço a mais. Ter humildade para entender isto. 9. Pontualidade. Chegar na hora certa. E boa vontade para estender a música quando o ambiente assim o requer. Na Europa, ao menos, as gorjetas compensam... 10. E, fundamental: nada de birita e droga. Birita nunca gostei; drogas, nem pensar. Até cigarro já eliminei: hoje só uso o cachimbo. Nas horas de folga... LEGENDA FOTO 1 - Lalo no piano-bar do La Mamounia, em Marrakesh. O "hall of fame", ao fundo, mostra quem já passou por lá - Oscar Petersen e Duke Ellington, entre outros. LEGENDA FOTO 2 - Lalo, em Marrakesh, posando para o seu já volumoso álbum de fotografias.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
21
07/02/1988

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