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Aramis

Londrina, anos 30: black-tie entre o pó e a lama

Em várias seqüências de "Incontrolável Paixão" (breve lançamento nacional; em Curitiba previsto para ser exibido no Plaza), cuja ação é ambientada no interior do Kenya, no início do século, há festas sofisticadas, nas quais apesar do ambiente selvagem que cerca as mansões, os ingleses em black-tie e as suas mulheres em vaporosos trajes parecem estarem vivendo em plena Londres. Parece até fantasia, mas não é! Quem imaginaria, em Londrina, no final dos anos 30, quando as primeiras ruas e avenidas transformavam-se em lamaçais quando chovia ou em nuvens de poeira no tórrido verão, que desde os primeiros bailes realizados no "Redondo" - o pioneiro clube da cidade - o traje exigido fosse black-tie. "E o mais incrível é que todos os cavalheiros compareciam com seus smokings, alguns improvisados, é claro" - recorda o pioneiro José de Oliveira, 77 anos, primeiro cartorário naquela cidade e que foi um dos fundadores e presidente do clube que todos chamavam de Redondo, "justamente por ocupar um edifício de forma circular, cedido pela Paraná Plantation" (a empresa inglesa que colonizou aquela região do Paraná). Trazendo importantes reminiscências para compor o painel dos pioneiros do Norte do Estado - objeto já de uma série de depoimentos que a equipe do projeto Memória Histórica do Paraná havia ido colher em novembro do ano passado - em Londrina, o sr. José de Oliveira Rocha acrescentou agora o seu, à série audiovisual que o Bamerindus vem possibilitando realizar - e que se constitui em importante documentário sobre o nosso Estado. xxx Recordando desde os tempos dos primeiros eventos sociais em Londrina - "nos quais chegavam alfaiates vindos de São Paulo, para tirar as medidas dos clientes e passar a fornecer trajes elegantes para as festas que ali aconteciam" - até aspectos políticos e econômicos da região, Oliveira Rocha mostrou, com sua privilegiada memória, detalhes interessantíssimos sobre uma saga da colonização do Estado, até hoje insuficientemente pesquisada e que, por certo, tem muito a revelar. Baiano de Nhambupe, José de Oliveira Rocha veio para Curitiba em dezembro de 1937, quase que por intimação de seu tio paterno, dom Ático Silveira da Rocha, arcebispo metropolitano e que desejava que aproveitasse "as oportunidades que se abriam no Estado para jovens corajosos". Amigo pessoal do interventor Manoel Ribas, Dom Ático conseguiu para o sobrinho um cartório em Londrina, "então uma vila distante, mas que já pulsava em ritmos da organizada colonização que os ingleses ali empreendiam". A falta de conforto, a distância, falta de estradas - "incrível que só em 1965 fosse feita uma ligação asfaltada com o Norte do Paraná" - quase o desanimaram a permanecer. Mas a esposa, Alice, o encorajou a ficar e, quatro meses depois, quando fez o primeiro balanço do cartório, concluiu que "valia a pena enfrentar o pó e a lama": um rendimento de sete contos de réis, "cinco vezes mais do que ganhava o próprio interventor do Estado". xxx Ampliando suas atividades para a agricultura - chegou a ter uma grande fazenda de café, mas que venderia após as grandes geadas de 1915/53 - o levariam, a ser convocado por seu amigo Bento Munhoz da Rocha Neto a ocupar a Secretaria da Agricultura, onde substituiu a Newton Carneiro e antecedeu a João Vargas de Oliveira, este já no governo tampão de Adolfo de Oliveira. Político ligado à UDN desde a sua fundação, nunca quis, pessoalmente, candidatar-se a cargo eletivo mas reconhece que "as coisas teriam sido diferentes na história do Paraná se o senador Abilon de Souza Neves não tivesse morrido, de enfarte, poucos meses antes da eleição". Em seu entendimento, Nelson Maculan, suplente de Souza Neves, só entrou como suplente - tanto no Senado como na substituição do PTB nas eleições (em que o vitorioso foi Ney Braga), porque Abilon, mineiro como era, desejava prestigiar um nome do Norte do Paraná, "e Maculan, ocupava, temporariamente, a presidência da Sociedade Rural de Londrina. xxx Colaborador regular da "Folha de Londrina" - nos anos 50/60 - hoje bissextamente escrevendo para a "Gazeta do Povo", José Rocha promete reunir em livro as suas crônicas e observações. "São mais de 30 anos de observações e opiniões que, bem ou mal, ajudam a compor um pouco do perfil do Norte do Paraná", diz. Bem humorado, recorda também os tempos de boemia de Londrina, as famosas casas da Selma, Diana e madames que ali fizeram histórias. A figura do delegado Achiles Pimpão, que conheceu ainda como tenente e ajudante de ordens do interventor Manoel Ribas, "que era encarregado de levar rosas a Dom Ático, cada vez que o visitava no Arcebispado". Anos depois, delegado de Londrina, Achiles era o terror dos malandros e marginais que chegavam àquela cidade. - "Ele os levava as margens do Rio Tibagi e mandava desaparecer: marginal não se criava em Londrina. Antes de expulsá-los, ainda obrigava os presos a tomarem meio litro de óleo de rícino. Uma justiça que funcionava para dar tranqüilidade em Londrina, aliás, sempre ordeira - apesar do clima de colonização que vivia nos anos 30 e 40. xxx Das muitas estórias que guarda desta época, José Rocha recorda da visita do senador Alencastro Guimarães. Após um banquete, o político - homem de espírito boêmio - fez questão de conhecer a famosa noite de Londrina e ao chegar defronte a iluminada mansão da Selma, primeira casa de tolerância do país a ter o nome da proprietária em gás-neon, num imenso painel, o senador Guimarães não se conteve: - "Que beleza! A putaria com a iluminação moderna..."
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
20/08/1989

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