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Marchioro revela Boris na emoção de "Nenúfar"

Na terça-feira à noite, Marcelo Marchioro viajou para São Paulo: foi chamado às pressas para supervisionar a substituição do ator Paulo Goulart no personagem Truscott na peça "O Olho Azul da Falecida", em cartaz no Teatro do Paiol, na Capital paulista, desde o dia 25 de novembro. Devido a compromissos com a próxima telenovela da Globo e a participação numa nova peça de Dias Gomes ("Meu Reino por um Cavalo"), Goulart deixa a produção paulista - e é substituído, a partir de hoje, pelo ator João José Pompeu. Nos demais papéis continuam sua filha, Bárbara Bruno, Chico Martins, Haroldo Betta, Antoine Rovis e Celso Oliver - elenco que, dentro de alguns meses, deverá trazer o espetáculo ao auditório Salvador de Ferrante. Marchioro já retornou: hoje faz o ensaio geral de "Nenúfar", que escreveu e dirigiu, com estréia amanhã (Teatro Sesc da Esquina, 21 horas) e que maca o nascimento de um novo grupo de teatro - EmCena. A estréia deveria ter acontecido há uma semana, mas devido a problemas técnicos nos últimos ensaios - e na criação da iluminação - a temporada foi retardada, "para não perder em qualidade" diz Marchioro. xxx Hoje o diretor de teatro de maior voltagem no Paraná - e com um prestígio crescente em São Paulo, onde tem feito bons trabalhos, Marcelo Marchioro, 36 anos, recebeu há um mês o troféu Gralha Azul 88/89, de melhor direção e iluminação pela peça "Eu, Feuerbach", do alemão Tankred Dorst. Ex-diretor de arte e programação da Fundação Teatro Guaíra - período em que o Ballet Guaíra alcançou projeção internacional e a pauta de programação dos espaços oficiais era repleta de bons espetáculos - Marcelo, engenheiro químico formado pela UFPR em 1975, abandonou há 3 anos funções técnicas no Badep para se dedicar apenas a sua paixão: o teatro. Assim, trocando um alto salário pelo inseguro campo financeiro do teatro, tem, entretanto, realizado trabalhos gratificantes em termos artísticos e que, pouco a pouco, o consolidam como um autor-encenador dos mais respeitados. No segundo semestre do ano passado dirigiu "Camões", num projeto desenvolvido com Barbara Bruno, que posteriormente dirigiria em "O Olho Azul da Falecida", peça de Joe Orton, com excelente público há quatro meses. Em Curitiba, dirigiu a ópera "O Refletor", de J.A. Kaplan/Bertolt Brecht e, em janeiro, "Eu Feuerbach", que teve uma encenação original - com o público sentando-se dentro do palco do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. xxx Incansável, enquanto aguarda o deslanche de novos projetos, Marcelo aceitou o convite de um grupo de novos artistas, formados pelo Curso de Artes Cênicas da FTG e montou a peça "Nenúfar", baseada na vida e obra do músico, ensaísta e escritor francês Boris Vian (1920-1959), até agora um nome praticamente desconhecido do público brasileiro - mas que a partir desta peça, será, por certo, reavaliado - inclusive com a procura de seus três únicos livros existentes em tradução em português. Não é de hoje que a múltipla personalidade de Vian, considerado um escritor surrealista e precursor do Teatro do Absurdo, contemporâneo e amigo de Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir, ator, diretor, trompetista de jazz (foi um dos grandes divulgadores da obra de Duke Ellington na França) fascina Marcelo. Desde o início dos anos 80 que Marchioro vem lendo sua imensa obra - dez romances (quatro deles escritos sob pseudônimo de Vernon Sullivan), quatro livros de contos, trinta roteiros de cinema, uma dezena de peças teatrais, sete comédias musicais, seis roteiros de balé e sete de óperas, afora poemas, canções, livros para crianças e ensaios teóricos. Enfim, Vian - também tradutor de dezenas de obras foi um intelectual da maior importância, mas que, como tantos outros, permanece desconhecido no Brasil. Prova de que hoje, na França, foi devidamente redescoberto, é o fato de existirem mais de 30 livros a seu respeito - direta ou indiretamente, grande parte do qual consultados por Marchioro. Boris Vian foi também ator - tendo feito um pequeno papel na primeira versão de "As Ligações Perigosas", que Roger Vadim realizou em 1959, com Jeanne Moreau e Gerard Philippe, baseado livremente no romance epistolar de Choderlos de Laclos - agora refilmado por Stephen Frears (indicado a 7 Oscars, ganhou três e está com casas lotadas nos cines Astor/Cinema I, há 3 semanas). xxx Como já registramos (na primeira notícia publicada na imprensa sobre a montagem de "Nenúfar") Boris Vian morreu em 23 de junho de 1959, vítima de um ataque cardíaco, quando assistia a primeira projeção privada, em Paris, da adaptação que Michel Gast fez de seu livro mais famoso ("Eu Cuspirei no Seu Túmulo/J'Irai Cracher Sur Vos Tombes", escrito em 1946 com o pseudônimo de Vernon Sullivan) e o qual, apesar de ter tido sua colaboração no roteiro e como ator (ao lado de Christian Marquand e Antonella Lualdi), o irritou de tal forma, no resultado final, que morreu em plena sessão. xxx De caudalosa obra de Boris Vian - que vem sendo estudada por Marcelo há quase 10 anos (e cuja pesquisa aprofundou em 1986, quando esteve em Paris), Marchioro construiu uma peça dramática, baseada principalmente no livro que é considerado a sua obra-prima "A Espuma dos Dias" (1946, já existe uma edição em português pela Brasiliense), mas misturando com trechos de "A Erva Vermelha" e episódios de sua atribulada vida. "A Espuma dos Dias", considerado por Raymond Queneau, que foi um de seus maiores amigos, como "a história de amor mais pungente de nosso tempo", narra o relacionamento de seis amigos e suas reações frente ao amor, à amizade, à vida em sociedade e, sobretudo, frente à própria vida. xxx Marcelo criou o texto, fez a direção, concebeu a iluminação e a sonoplastia - com músicas de Duke Ellington (muitos temas praticamente desconhecidos do público, que exigiram demorada pesquisa). Sandra Zugman, uma bela bailarina e coreógrafa, que já estudou em Israel e vem se firmando em trabalhos no teatro, criou a expressão corporal e coreografia, enquanto os cenários, adereços e figurinos foram elaborados por Ricardo Garanhani. No elenco estão três novos artistas formados pelo Curso Superior de Artes Cênicas (Álvaro Bittencourt, Ana Fabrício e Érica Mignom), mais Giovana Soar, Gô Kuster, Joelson Medeiros e a bailarina Kátia Drummond. Com uma temporada prevista de 4 semanas (sempre de quinta a domingo), "Nenúfar" é uma promessa de bom teatro. Afinal, Marchioro, até agora, não tem negado fogo em competência! LEGENDA FOTO - Marcelo Marchioro - ao centro - entre artistas e equipe que criou "Nenúfar", estréia amanhã no Teatro do Sesc (foto Chico Nogueira).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/04/1989

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