Milton, o sincero poeta "bóia-fria".
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 30 de janeiro de 1985
"Falo de um ser oprimido / De um pássaro de arribação
De um ser que faz a riqueza da terra /
E que não tem um pedaço de chão
Milton Araújo fala dos bóias-frias. Fala da terra. Da agricultura. Das dificuldades do homem do campo. Algumas vezes se mostra até desesperançoso.
Sua vida se resume em suor e sangue/ Posto que [e peregrino do mundo.
Quando procura saciar grande sede / Encontra dia a dia o poço mais fundo.
Mas Milton Araújo também fala de amor e da mulher amada, em canto de amor entusiasmado.
Vou seduzir tua cabeça / E me vestir com teu corpo.
Vou balançar em teus cabelos / E me tornar menino afoito.
Suas poesias são simples – quase ásperas. Não resistiriam a uma análise mais rigorosa. Trazem, entretanto, uma dose de sinceridade e honestidade que faz com que a leitura de "Fases de um Aprendiz", numa rústica edição (97 páginas, papel jornal, capa de papelão com a foto do autor) mostre graficamente a pobreza do autor. Pouco mais de 20 anos, apenas parte do curso do primeiro grau, lavrador em Santa Isabel do Ivaí – planta arroz num terreno cedido pelo seu sogro – Milton Araújo é um entre tantos paranaenses que mesmo tendo escapado de ser mais um miserável bóia-fria, tem sensibilidade para entender o universo doloroso dos homens e mulheres que vagueiam sem terem a terra onde se fixar.
Impresso numa gráfica de Santa Isabel do Ivaí, custeado por alguns amigos na base da brasileiríssima "Vaquinha", o livro "Fases um Aprendiz" é terno e emocionante em sua simplicidade. Embora com uma consciente visão de problemas sociais, Milton também não deixa de falar nos botequins, na pinga, na zona do meretrício e dedica ate um bem humorado poema ao "Vaso Sanitário"( Pequeno trono/ sinal de igualdade/ De pobres e nobres/ Mendigo e Majestade / Pequeno trono / É de direito... / Só é procurado / Na hora do aperto / Pequeno trono / Palácio formidável / Necessidade diária / Intimação inadiável / Pequeno trono / De Reflexão / Ora dá sono / Ora dá depressão / Pequeno trono / Sem preconceitos / Social ou racial / Se lê revista, se lê jornal/").
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Tendo publicado anteriormente um outro livro ( "Crepúsculo da Imaginação"), Milton Araújo chega neste seu segundo volume já com uma vivência mais ampla do mundo. Bastante politizado fundou o PT em Santa Isabel do Ivaí e lidera 150 filiados dentro do eleitorado de 7 mil votantes. Amigos já o lembraram como um nome para fazer política, mas, embora entusiasta pelo partido de Lula, não alimenta, por enquanto, sonho maiores. Planta arroz, cuida de sua família e faz poesia – refletindo seu universo amargo:
Olhe o povo vagando, perdidos em sonhos
Chorando em segredo, com medo medonho
São tristes soldados, que estão desarmados.
E tem suas vidas , como um ordenado.
Parreiras Rodrigues, também poeta , da assessoria do Meio Ambiente da Secretaria do Interior e um dos maiores incentivadores de Milton Araújo, define bem a sua poesia:
_ "Ela é natural. Dinâmica, eclética e importante por ser cheia de arestas. Tal qual o diamante. Depois de lapidado ganha valor mas perde a graça. É como o índio. Só provoca interesse em seu habitat. Civilizado, deixa de ser. Deixa de ser um ser".
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