Mishima, de romancista a dramático personagem
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de setembro de 1985
A literatura japonesa - melhor diria, a oriental - é ainda pouco conhecida no Brasil. Com exceção de alguns autores - e assim mesmo atingindo um público específico - os escritores daquela parte do mundo permanecem praticamente inéditos em traduções para o Brasil. Como Gustavo Barbosa, diretor editorial da Rocco, está preocupado em trazer novos autores ao Brasil, com a publicação, em língua portuguesa, de "O marinheiro que perdeu as graças do mar" ( Rocco, tradução de Valtensir Dutra, 155 páginas, Cr$ 21.000), o leitor brasileiro tem a oportunidade de conhecer um dos livros mais marcantes de Yokio Mishima (1925-1970), considerado o mais importante dos escritores japoneses do século, tanto pela expressividade de sua obra literária como pela originalidade de suas idéias.
Mishima, cujo verdadeiro nome era Kimitake Hiraoka, é um mito que até hoje perturba o Japão. Morreu há 15 anos, aos 45 anos, ao praticar o haraquiri, o suicídio ritual dos samurais. Sua biografia foi recentemente filmada por Paul Schrarder, em produção de Coppola, premiada no último festival de Cannes: "Mishima". Este filme, aliás, foi proibido de ser exibido no l Festival de Cinema de Tóquio, realizado em junho último.
"O marinheiro que perdeu as graças do mar" (romance que, aliás, já foi filmado no Ocidente) foi publicado há 22 anos. O talento de Mishima aparece da primeira à última página: com habilidade, ele conta a história da viúva Fusako, de seu filho Noboru e do marinheiro Ryuji. A mulher, dona de uma loja, redescobre o amor cinco anos depois de perder o marido. Seu filho, a princípio, considera o marinheiro um herói, para depois, execrá-lo. Com seus colegas de escola - uma gangue de adolescentes que rejeitam o mundo adulto e cultuam a violência, o menino alimenta os sentimentos de ódio e vingança contra o padrasto. O texto de Mishima, trazendo à tona os mais submersos sentimentos do garoto, de sua mãe e do marinheiro, torna-se a cada página mais denso, frio, "lindamente macabro" como diz um crítico.
Mishima foi o primeiro escritor japonês a se projetar no exterior. Em 1944, aos 19 anos, publicou seu primeiro livro, "Forest in blosson", uma coletânea de contos. Numa época em que a literatura tendia exclusivamente para a propaganda política, seu livro surpreendeu a todos, destacando-se por sua qualidade literária. Conquistou a celebridade internacional a partir de 1958, com o romance "Confissões de uma máscara" (já publicado no Brasil).
Pertencia a uma tradicional família de samurais, mas foi educado à moda européia e preparado para compor a elite governante do Japão Imperial. Como escritor, lutou contra a tendência de deixar que as palavras corroessem a realidade, procurando encontrar o que chamou de " linguagem do corpo".
Produziu 40 novelas, 33 peças de teatro, 20 volumes de contos e vários ensaios literários. Também era ator. Dedicou-se intensamente a atividades políticas no Japão e formou uma organização militarista, recrutando, ele mesmo, jovens nas universidades, numa tentativa de recompor o Japão Imperial e restaurar o brio guerreiro da elite através do restabelecimento do código de conduta dos samurais.
Invadiu, com seus companheiros, um quartel de Tóquio, em 1970, e num discurso veemente pregou o retorno do Japão à tradição dos seus ancestrais, incitando os soldados a rasgar a Constituição que proibia ao Japão a manutenção de uma força armada, imposta pelos aliados após a derrota militar japonesa na ll Guerra.
Ridicularizado pela tropa, suicidou-se de modo nacionalista e radical, nas formas do ritual seppuku (após o haraquiri, foi degolado solenemente por um companheiro). Com Mishima, suicidou-se, também Masakatsu Morita, seu lugar-tenente, discípulo dileto e amante.
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