Login do usuário

Aramis

Muitas canções mas pouca renovação nos festivais

Maringá Embora inexista qualquer levantamento oficial, estima-se entre 120/150 os festivais de música popular que acontecem no Brasil. Desde o pacote nativista que já chegou a quase uma centena no Rio Grande do Sul a promoções isoladas, que não passam da primeira edição, o fato é que a multiplicação de eventos competitivos abrem espaços anuais para mais de mil composições inéditas. Entretanto, mesmo eventos mais ambiciosos - como os que a Globo tentou no início dos anos 60 (MPB Shell) o recente Festival Carrefour, com investimentos generosos de um milhão de dólares - ou, agora, a pretensão da TV Record em reviver os anos de glória dos maiores festivais que o Brasil conheceu - ou o festival de música regional, como o Rimóli, a caminho de sua terceira edição, o fato é que, infelizmente, foram raras as composições que se destacaram nos últimos anos, projetando novos talentos como aconteceu, de forma tão vigorosa, na década de 60 com o surgimento de uma geração de compositores - intérpretes que, passados 20 anos, continuam em projeção. Assim, pretender qualquer análise crítica mais rigorosa dos festivais de âmbito municipal (mesmo que aberto a compositores de todo o país) que vem se multiplicando no Paraná - como os de Cascavel (o mais antigo de todos), o iniciante Acordes Cataratas, em Foz do Iguaçu (cuja primeira edição aconteceu em, abril último) e o agora encerrado Femucic (27 a 29 de setembro) é difícil de ser feita. Estes - como tantos outros eventos competitivos - mostram que talentos maiores, como Chico, Caetano, Gil, Paulinho da Viola, ou o inesquecível Gonzaguinha - todos surgidos na era de ouro dos festivais da Record/FIC/Tupi, não se repetem com a regularidade desejável. Apesar do empenho e entusiasmo de milhares de jovens que sonham em galgar espaços artísticos - seja como compositores, seja como intérpretes/músicos - o fato é que apesar do mercado ter-se ampliado, o funil ainda continua apertado qualitativamente. Durante as três noites do Festival de Música Cidade Canção, que pela 14ª vez aconteceu em Maringá, com uma organização exemplar, graças a competência de Dina Dolis, 28 anos, uma advogada, ex-locutora e apresentadora de televisão, também cantora em algumas edições do festival e que hoje é uma das principais assessoras da eficientíssima Lídia Marques, a bela diretora de Cultura da Prefeitura de Maringá - refletiu, mais uma vez este impasse musical. Junto com seus colegas de organização - Antônio Vieira (Sesc) e Nilson Tadeo Campos Silva (TV Cultura), Dina procurou selecionar entre as 240 músicas inscritas as 24 que mostrassem os diferentes caminhos buscados pelos novos autores. A ecologia continua a ser uma temática buscada pelos autores, em mensagens nem sempre sutis. "Amazonita", dos cariocas Luana Silva e Paulinho Campos, terceira classificada - e que valeu a Victoria Rudan, 28 anos, o prêmio de melhor intérprete, fala em ribeirões, selvas e jardins. Já o paulista Carlos Gomes, imitando bregamente a João Bosco, em seu "Poranduba", alinhava nomes da flora e fauna propondo um apelo ecológico. ("Porque o tal do bicho homem/Caça por caçar?/Salve o verde/Chega de jogar óleo no mar"). O paranaense Alecir de Antonina (Gomes, 36 anos), o nosso mais constante ratão de festivais - prefere continuar cantando o homem do Litoral e seu "Canoeiro" foi uma das mais aplaudidas pelo público e bem considerado pelo júri, embora sem ter recebido nenhum prêmio. Viajando 3 mil km via rodoviária para participar pela primeira vez de um festival no Paraná, o cearense Antônio Oliveira da Silva, 34 anos, da cidade de Cedro, cantou - ao estilo de seu conterrâneo Fagner - o drama dos lavradores nordestinos no pungente "Nenhuma Razão". De Belo Horizonte, Dino Marques veio com seu "Contos de Minas", na influência de Milton Nascimento, enquanto José Alexandre - parceiro das músicas do bregão Oswaldo Montenegro, defendeu, "Terra Mãe, Terra Pai" (D. Quixote). Bem mais interessante, em termos de estrutura musical, foi João Aluã, com "Ave Solidão", num estilo que, como lembrava o jurado Jean Garfunkel (que é também um veterano de festivais), sugeria influências nítidas de Paulinho Pedra Azul, talento maior de Minas Gerais, meia dúzia de elepês gravados mas totalmente desconhecido fora de seu Estado. xxx Durante muitas edições, o Femucic não teve em suas finalistas a presença de concorrentes da cidade. Este ano, numa agradável surpresa, sete das que estiveram nas eliminatórias foram de autores locais: as instrumentais "Pan Flor" e "Pedra Bical", mais "Canção encantada" (Patrícia Gôngora Rosa), "Xingu, uma Canção" (Suzana Lucas/Nidir Castro), a interessante "Guardião" (Rosemaria Caranielli) defendida pela sensual Eliane, uma morena muito swing; "Mil Perdões" (Laert Mantovani Jr.) e "Trem da Chegada e da Partida" (Moacir Filho), que com uma performance utilizando jovens de um grupo de teatro local e coral de 4 vozes femininas, chegou a finalíssima e estará no elepê com as classificadas deste 14º Femucic, gravado ao vivo pela equipe do Multisom, primeiro estúdio de 24 canais que começou agora a funcionar em Maringá. Os três últimos festivais já haviam sido editados em elepês - que, com 90% dos discos festivalescos - sofrem o processo de ficarem desconhecidos fora dos limites do município. Para evitar a repetição deste problema, o diretor do Sesc no Paraná, Amaury Ribas de Oliveira, 48 anos, que acompanhou de perto o evento, e que custeará a produção do elepê - está organizando um esquema para ampla distribuição nacional. Explica: - "Seria lamentável que o resultado final de um projeto que exigiu esforços de tantas pessoas não tivesse ao menos a divulgação esperada". O Sesc-Paraná, além de ter apoiado este evento, promoveu também um workshop para músicos locais, orientado por seu funcionário do Rio de Janeiro, o músico e professor Wagner Campos. Dois assessores do Sesc, na área musical, em distantes unidades - Júlio Luiz Campos, de Alagoas e o boliviano Júlio César Soliz, de Porto Velho (Rondônia), passaram uma semana em Maringá acompanhando o evento.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
03/10/1991

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br