Negro em discussão no olhar da câmara
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de setembro de 1988
Não poderia ser diferente: pelo próprio fato da população da Bahia ser formada em 70% de negros e o centenário da abolição dos escravos, o tema de muitos filmes e vídeos apresentados durante a XVII Jornada de Cinema da Bahia foi o negro.
Apesar da frustração do principal filme abordando o assunto - "Libertação", longa-metragem de Zózimo Bulbul, não ter tido sua cópia aprontada a tempo, para a exibição na noite de abertura - a programação da Jornada trouxe diferentes enfoques sobre a questão do negro - no lado social, cultural, político e ideológico.
Especialmente em vídeos, diferentes formulações foram feitas partindo da temática negra. Já na primeira sessão competitiva, no dia 9, Marta Ferreira formulava em "Senzala no Asfalto" a hipótese de que a luta de negros e brancos é uma só - ou seja, "a luta comum contra um sistema que oprime e domine o homem".
O vídeo, porém, que faria melhor abordagem da questão seria "Raça Negra", premiado com o troféu Walter da Silveira. Pelo próprio rótulo - e a referência à música de Caetano Veloso - "Eu sou neguinha?", 30 minutos, de Mônica Simões, teve um público interessadíssimo. Em 30 minutos a realizadora questiona a condição atual da mulher em Salvador, desmistificando a utilização folclórica da baiana, buscando caracterizar os padrões estéticos, culturais e existenciais específicos desta mulher.
Joaten Vilela Berbel, paranaense de Londrina, há anos radicado no Rio (é funcionário do Banco do Brasil), realizador do muitas vezes premiado curta sobre o chargista Chico Caruso, também decidiu se voltar à negritude: em "Anastácia: escrava e santa", vídeo de 30 minutos, aborda a crença em torno da escrava Anastácia, cujo culto no Rio de Janeiro vem crescendo de forma impressionante, com seus milhares de fiéis reivindicando sua canonização.
O realizador que usa o pseudônimo de Vik em "A Marcha e a Farsa" desenvolveu em 23 minutos uma curiosa idéia: ao som da música dos Filhos de Ghandi e de "Missa dos Quilombos" coloca em imagens a marcha do Movimento Negro no dia 11 de maio de 1888 provocando a ira do Duque de Caxias que reprime a revolução com um grande aparato policial militar. Outra visão bem humorada foi da equipe TV-Viva, de Recife (mantida com recursos de uma fundação da Holanda) que em "Isabel e os negrinhos" coloca o repórter Brisvaldo travestido de Princesa Isabel, libertando os seus repórteres-escravos, Nega Maluca e Piolho, para saberem o que a população acha da abolição da escravatura.
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Nos filmes em competição, a temática negra não foi tão vigorosa. Apenas dois curtas se voltaram ao assunto: Em "Karnaval Ijexá", de Luiz Ferro, personalidades ligadas às entidades afro depõem sobre a realidade e suas propostas. Gilberto Gil (que é candidato agora a vereador de Salvador) fala do contraponto cultural e analisa a transformação do bloco Afoxé Filhos de Ghandi.
Em "Raça na Praça", de Luiz Alberto Pereira, o Gal (o bem humorado realizador do longa "Jânio a 24 quadros"), a partir de uma manifestação contra a discriminação racial ocorrida na Praça Ramos de Azevedo, em 1978, em São Paulo, origem do Movimento Negro Unificado, procura mostrar o racismo enraizado na sociedade brasileira.
LEGENDA FOTO - Cena de "Raça Negra", vídeo de Nilson Araújo, premiado com o Tatu de Ouro como "melhor enfoque afro-latino-americano".
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