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Aramis

A música de Carnaval (III) - Libertação dos escravos, o grande tema deste ano

Brasil afora, em cidades grandes ou menores nas quais existam escolas-de-samba, um tema marcará dezenas de sambas-de-enredo: o centenário da Lei Áurea. Afinal, sendo uma festa de grandes conotações com a cultura afro-raiz-mãe do samba - é natural que neste ano de 1988 a temática rememore os cem anos da libertação da escravatura. Em Curitiba, já no sábado, no desfile das escolas do grupo B, a "13 de Maio" - de raízes negras até em seu nome e tradição - estará levando na Avenida Marechal Deodoro o belo samba de Nelson Santos, 51 anos, "Nunca Mais, Outra Vez...": "Este Brasil maravilhoso Tem uma história da história / pra contar De gente que veio de longe Do outro lado do mar Acorrentados aos tumbeiros, os escravos Foram os bravos / Mãos de obra na nação". Em São Paulo, pelo menos duas escolas do grupo 1 saem também com saudações aos 100 anos de liberdade (liberdade?) do povo negro. Dom Marcos, puxador e co-autor (com Roná Gonzaguinha / Edinho / Xixa / Minho), de "Quilombo Catopês do Milho Verde (de Escravo a Rei da Festa)", samba-de-enredo da G.R.E.S. Colorado do Brás, canta: "Quilombo espalhou suas raízes E fez sua semente germinar Em ricas terras mineiras Do milho verde vem um canto pelo ar". Com uma letra mais trabalhada, "Filhos de Mãe Preta", de Joaquinzinho / Benê, é o samba da Unidos da Peruche, também de São Paulo: "Eh! Mãe África / Espalhando seus filhos no mundo Este Banzo tão profundo Que despertam num segundo Quando alegre a caminhar Tantas estrelas a brilhar ao léo Não é brinquedo de Isabel Pixinguinha e Clementina Uma festa que domina É uma luz que vem do céu". Cinco das grandes escolas do grupo 1A do Rio de Janeiro estão saindo com a mesma temática. O G.R.E.S. Portela, com "Lenda Carioca, Os Sonhos do Vice-Rei" (Neném / Mauro Silva / Isaac / Luizinho / Carlinho Madureira) começa com a saudação: "Está fazendo um centenário A Portela em louvação Voa com a liberdade A águia e o negro Num só coração". Campeoníssimo nos últimos anos, o Beija-Flor de Nilópolis, tendo Neguinho puxando o samba-de-enredo "Sou Negro, do Egito à Liberdade", conclama: "Vem amor, cantar agora Os cem anos de libertação A história e a arte dos negros escravos Que viveram em grande aflição (...) Eu sou negro, e hoje enfrento a realidade E abraçado à Beija-Flor, meu amor Reclamo a verdadeira liberdade Raiou o sol, sumiu, e veio a lua Eu sou negro, fui escravo E a vida continua". O G.R.E.S. Unidos da Vila Isabel concentra sua homenagem a partir da figura eterna de Zumbi, em "Kozmba, Festa da Raça" (Rodolpho / Jonas / Luiz Carlos da Vila): "Valeu, Zumbi! O grito forte dos Palmares Que correu terras, céus e mares Influenciando a abolição". Mas de todos os sambas-de-enredo deste Carnaval, em torno da Abolição, o mais crítico é o "100 Anos de Liberdade, Realidade e Ilusão" (Hélio Turco / Jurandir e Alvinho), que puxado pelo grande Jamelão (José Clementino dos Santos, 75 anos), pode ajudar a G.R.E.S. Estação Primeira da Mangueira conquistar mais uma vitória: "Será... Que já raiou a liberdade Ou se foi tudo ilusão Será... Que a Lei Áurea tão sonhada Há tanto tempo assinada Não foi o fim da escravidão Hoje dentro da realidade Onde está a liberdade Onde está que ninguém viu". O refrão deste samba-de-enredo vai, por certo, ter um coro de milhares de vozes no desfile da Marquês de Sapucaí, no domingo: "Moço, não se esqueça que o negro também construiu As riquezas do Brasil". Com o samba dos excelentes João Nogueira e Paulo César Pinheiro, o G.R.E.S. Tradição sairá com "O Melhor da Raça - O Melhor do Carnaval", cantando: "Salve a mistura da raça / Que nunca vai se acabar / Até o dia da Graça chegar".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
12/02/1988

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