No Campo de Batalha
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de novembro de 1987
A maior angústia de todos que, profissionalmente ou não - mas com entusiasmo pelo cinema acompanham o FestRio: como conseguir optar pelo programa mais atraente? Muitas vezes faltam informações de filmes recentes que chegam ao festival e se revelam como obras de grande valor. Como é impossível acompanhar sequer 30% dos quase 400 programas oferecidos (afora mais de 100 horas de vídeo e televisão), a solução é apostar na intuição e tentar ver o que há de mais interessante e possível de ser enquadrado dentro das 24 horas de cada dia.
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"Macu - A mulher do policial", representando a Venezuela e dirigido por uma cineasta com o nome de Solveig Hoogestein - dividiu as opiniões na manhã de sexta feira. Edmar Pereira, do "Jornal de Tarde" - e considerado a língua mais ferina do jornalismo cinematográfico - gostou deste filme despojado, sobre uma bela e sensual mulher que provoca três assassinatos - para liquidar seu amante adolescente, seu marido mata três jovens. O filme tem momentos interessantes mas dificilmente chegará ao circuito comercial do Brasil.
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Uma espécie de "Kramer x Kramer", em ótica socialista, "Paisagem com Mobília" (Krajina S. Nabytken) tem, no mínimo, uma das melhores trilhas sonoras dos filmes em competição. A música de Emil Viklichy é extremamente jazzística e pontua a narrativa desta comédia dramática sobre Zedenik, um estudante de música que, durante as férias, trabalha como entregador de jornais. Tem vários envolvimentos sexuais e uma das suas amantes, Eva, fica grávida. Ele assume, casa com a moça, mas esta torna-se alcoólatra, abandona-o e revela que o filho não é dele. Entretanto, Zedenik recusa-se a entregar a criança a um asilo e assume os encargos de pai. Emotivo, com muita semelhança ao filme de Robert Benton ("Kramer x Kramer''), "Paisagem com Mobília" tem um ritmo agradável, com a fotografia de Jiri Macak capturando imagens belíssimas. O diretor, Karel Smyczek - totalmente desconhecido no Brasil - pode não ter feito uma obra prima, mas o filme tem uma empatia universal em sua temática. Também é uma pena que os filmes checos não cheguem aos nossos circuitos, embora, há 25 anos, uma geração de cineastas checos - a começar por Milos Formam - tenha saído daquele cinema estatal para a glória internacional. Há menos de um mês, no Cine Groff, houve uma mostra do novo cinema checo, que não trouxe nenhum filme mais significativo. Portanto, "Paisagem com Mobília" é uma surpresa agradável.
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Como a cópia de "Warm Nights on Low Moving Train", não foi legendada a tempo, poucos espectadores se interessaram por este drama intimista, sobre uma professora de arte que, para aumentar seus rendimentos e manter o seu irmão paralítico (viciado em morfina), se prostitui de forma original: na suite de um trem noturno que cruza o interior da Austrália. Acaba envolvendo-se numa trama política e termina de forma dramática. Dirigido por Bob Ellis, "Vagaroso Trem Numa Noite Quente" representa a Austrália na competição do FestRio. Ao menos visualmente, há momentos belíssimos e, no mínimo, o filme ganha um apelido: "Trottoir Ferroviário".
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Além dos filmes em competição - três por dia/noite - a sala Glauber Rocha tem também a mostra panorama do cinema brasileiro e filmes hors-concours, o que prolonga a maratona cinematográfica até as 2 horas da manhã. No domingo, na sessão coruja, foi exibido "Sammy and Rosie", de Stephen Frears ( inglês, diretor de "My Beautiful laundrness", o premiado com o Tucano de Ouro-86), atualmente o maior sucesso na Europa. Muita gente indaga por que este filme não concorre. Explicação de um assessor do festival: "Seria chato o mesmo diretor ganhar o festival pelo segundo ano consecutivo". Nesta terça-feira, 24, será apresentado um musical com o grupo The Eurythmics - "Brand New Day", de Amos Gitay.
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Jornalista experiente, editor de uma coluna da "Última Hora", João Luís Albuquerque, assumindo a coordenação de imprensa do FestRio, procurou sanar vários problemas. Por exemplo, a credenciação foi bastante profissional, evitando-se bicões. E o controle do material de informação é dos mais rigorosos. Em compensação, para descontrair, João Luís conseguiu montar um mini-bar dentro da assessoria que funciona das 17 às 19 horas. Para quem consegue ter tempo de bebericar entre verdadeiras rajadas de datilógrafos com centenas de jornalistas (só brasileiros foram credenciados 500 profissionais, mais 150 da imprensa internacional) tentando escrever seus textos e despachá-los para as redações.
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