No setor da desordem, clima é de desespero
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de janeiro de 1992
A carta-denúncia que o artista plástico e marchand-de-tablaux Jorge Carlos Sade, estabelecido há 18 anos na Praça Garibaldi, com a galeria de arte Acaiaca, denunciando o abandono e violência em que foi transformado o Setor Histórico de Curitiba teve a maior repercussão. Recebemos muitos telefonemas de curitibanos que também estão revoltados com a transformação de uma área que, programada para servir como setor de cultura e animação, hoje está ocupada por botequins e danceterias da pior qualidade e, especialmente nos finais de semana é invadida por malandros, desordeiros e playboys, que formam perigosas gangs.
Aquilo que assusta em filmes como "As Cores da Violência" - com ação ambientada nos bairros barra-pesada de Los Angeles - ou em produções recentes como "Os Donos da Rua", sobre a violência selvagem, tráfico de drogas e ameaça dos cidadãos que não têm mais condições de freqüentar muitos bairros de New York e outras metrópoles, começa a acontecer, "em menor escala, mas que está em escalada", também em Curitiba como diz, com toda preocupação, o advogado Laertes de Castro, 59 anos, presidente da Associação dos Moradores e Comerciantes do Setor Histórico de Curitiba.
- "Não demora muito, este setor será o mesmo que é o Bronx e Harlem em Nova York. Só que não é o racismo que leva a violência, mas a desordem, falta de policiamento e, especialmente, desatenção da Prefeitura na concessão dos alvarás para estabelecimentos que só prejudicam o setor".
Fundada em 22 de julho de 1991, reunindo 220 moradores e comerciantes de atividades não poluentes urbanisticamente e sonoramente o setor Histórico, a associação presidida pelo advogado Castro já teve duas audiências com o prefeito Jaime Lerner e um encontro com o da Polícia Militar. Na última audiência com Lerner, entre cafezinhos e promessas, o alcaide encarregou um de seus principais assessores para proceder uma revisão de todos os alvarás que a Prefeitura concedeu para o comércio noturno no setor, comprometendo-se com a cassação dos que estão infringindo as normas de silêncio e segurança. Prometeu também que a tão falada Guarda Municipal iria firmar convênio com a Polícia Militar para reforçar a fiscalização no setor - tendo visto as violentas brigas, roubos, assaltos etc, que ali se sucedem especialmente nos fins de semana.
Passaram-se 3 meses e até agora a Associação não merece a consideração. Ao contrário, os índices de poluição sonora e violência sobem cada vez mais, como garantem dezenas de moradores e comerciantes na área. O vice-presidente da Associação, Sr. Ivo Dobrowski, quando da audiência com Lerner, ficou chocado com uma comodista alegação feita pelo Prefeito: legalmente a Prefeitura não pode determinar o horário dos bares e boites encerrarem suas atividades.
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A diretoria da Associação - formada por Laertes de Castro, Dobrowski, (que reside na Rua 13 de Maio), advogada Letícia Zanatta Machiore e Jorge Carlos Sade, entre outros, está fazendo um levantamento de todas as espeluncas da área, para fundamentar uma ação conjunta - tanto no judiciário como junto a Câmara Municipal, uma vez que a Prefeitura tem se mostrado omissa frente ao problema. Duas boites, especialmente, são as que causam maiores problemas: a Subway, pertencente a um primo do deputado Rafael Valdomiro Greca de Macedo e Amnesia, vizinha de parede da residência do advogado Laertes de Castro, na Praça Garibaldi, 70, imóvel construído há mais de 50 anos pelo seu sogro, Augusto Carneiro de Souza (1904-1970), e na qual reside a sua viúva. Aos 75 anos, a viúva Carneiro de Souza, hoje teme, inclusive, chegar até a frente da residência, devido a violência com que os grupos de vândalos, malandros e playboys ali agem à noite.
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Autoconsiderando-se como "representante" do Setor Histórico, o deputado Greca de Macedo - que pretende ser o candidato ungido por Lerner para sucedê-lo na Prefeitura - tem irritado diversos moradores e comerciantes, com alegações tipo "os incomodados é que se mudem", "o setor precisa ser muito alegre e festivo" e chegando ao desplante de "recomendar" a uma senhora que mora na Praça Garibaldi desde que nasceu, que ela deveria comprar um pacote de algodão para tampar os ouvidos e assim não se incomodar com o barulho dos jovens nas madrugadas.
Denúncias sobre o que acontece entre o largo da (des)Ordem até o Alto do São Francisco têm sido freqüentes na Câmara e na imprensa. Apesar de promessas e desculpas, até agora, efetivamente, nada de fato foi feito e a situação agrava-se cada vez mais. Aquilo que o prefeito Jaime Lerner idealizou em sua primeira gestão, como um eixo-de-animação transformou-se num eixo-de-desordem, justamente pela falta de critérios na concessão de alvarás para estabelecimentos de péssima categoria, que estimulam a concentração na área de marginais e jovens violentos - grande parte motorizados - que fazem com que centenas de pessoas estejam cada vez mais evitando por ali circular.
O drama, porém, é maior aos que ali residem ou possuem estabelecimentos comerciais decentes. O advogado Laertes de Castro, irritado com tanta desconsideração, afirma:
- "Chegou a ponto de que não posso nem sair com meu carro da garagem a partir das noites de quinta-feira. E o meu jardim foi transformado em mictório público para bêbados e desocupados!"
Pergunte-se a qualquer morador ou comerciante do Setor Histórico em quem votará nas próximas eleições? Mesmo com toda a promoção internacional que Lerner trouxe a Curitiba, o candidato que indica - especialmente se for o ambicioso Greca - ali não terá um único voto. A não ser de protestos.
Aplaudindo a sugestão que Jorge Carlos Sade fez em sua carta - aqui publicada no dia 20 do corrente, terça-feira, o advogado Laertes de Castro também acha que os "defensores" da "animação" do Setor Histórico deveriam providenciar que o comércio "apropriado" que ali existe nas madrugadas fosse transferido para as ruas Bom Jesus, no Alto do Cabral - vizinho a residência do prefeito Jaime Lerner e do IPPUC - ou, principalmente, para a Ignácio Lustosa, onde se localiza o Solar dos Greca, no qual mora o deputado que preside a comissão dos 300 anos de Curitiba e sonha em ser o próximo prefeito desta Cidade.
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