Nos rumos do Sul, uma radiografia do Brasil
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de outubro de 1981
No encerramento do seminário Os Rumos do Sul (Florianópolis, 7 e 8 de outubro), o governador Ney Braga iniciou o seu pronunciamento recorrendo a algumas anotações, com os dados sobre a economia paranaenses e os planos de governo. Mas, depois de alguns minutos, preferiu abandonar ao texto e, da forma com que o caracteriza em seus pronunciamentos, falar franca e diretamente a 150 dos mais importantes empresários do Sul, reunidos no encontro patrocinado pelo Bamerindus.
Ao contrário dos seus colegas, Jorge Konder Borhausen, de Santa Catarina e José Augusto do Amaral de Souza, do Rio Grande do Sul, que o antecederam - cansando o público com minuciosos e sonoríferos relatórios de que fizeram em seus primeiros anos de administração, Ney Braga procurou ser objetivo e prático. O reconhecimento foi os aplausos, em pé, que o auditório lhe prestou, no encerramento do seminário de dois dias, organizado pelo "Jornal do Brasil", para a análise das perspectivas da economia regional.
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Nos três painéis anteriores [à] sessão de encerramento, com a presença dos governadores da região Sul, houve também exaustivos relatórios mas objetivas intervenções dos debatedores convidados. Agricultura, exportação e energia foram temas importantes, vistos - embora que rapidamente - nos dias 7 e 8, por autoridades ligadas aos órgãos respectivos e, principalmente, empresários.
No painel de abertura, na manhã de quarta-feira, 7, ouve uma clara frustração dos debatedores convidados para o painel I - "Agroindústria / Produção agrícola e papel das cooperativas / Dificuldades do parque industrial", quando o conferencista, ministro Amaury Stábile, da Agricultura, fugiu dos debates. Recebido com todas as honras, para a sessão de instalação, o ministro da Agricultura, ex-gerente de Banco (função que chegou a exercer em Curitiba, durante algum tempo), se limitou a leitura de um texto preparado por sua assessoria, dando uma visão oficial da agricultura. Mas o que poderia ser mais produtivo e interessante não aconteceu: o debate, a troca de [idéias] com secretários de Estado e dirigentes de cooperativas reunidas na mesa. Simplesmente, o ministro Stábile alegou "compromissos inadiáveis" em Chapecó, desculpou-se e se retirou do Centro de Treinamento do BESC, onde se realizava o seminário.
No entender do engenheiro-agrônomo José Aroldo Galassini, 40 anos, catarinense de Brusque mas há mais de 10 anos no Paraná e presidente da Cooperativa Agricultora de Campo Mourão (que com um faturamento de Cr$ 10.300.000.000,00, é a 4a citação do Paraná entre as maiores do Brasil e no levantamento da "Exame"), a ausência de Stábile dos debates foi lamentável. Afinal, Galassini - assim como outros líderes empresariais ali presentes, como Mário Stadler de Souza, presidente da FAEP - teria algumas questões importantes a serem colocadas. Perguntas incômodas talvez ao ministro da Agricultura, mas cujas respostas poderiam dar um melhor posicionamento aos vários problemas que afligem o empresariado do setor. Assim como Galassini levantou questões ligadas aos cooperativados do Paraná (só a Coamo, que preside, tem 11.000 associados e uma previsão de faturamento de Cr$ 20 bilhões em 1981), seu colega, Rubens Ilgenfritz da Silva, presidente da Cooperativa dos Triticultores de Ijuí, Rio Grande do Sul, fez incisivas colocações. Lembrando, com bom humor, que "a agricultura não é loteria esportiva" e referindo-se ao desequilíbrio da política de produção e exportação, Ilgenfritz acabou cunhando uma nova expressão: "filosofia do urubu".
- "Afinal, ao menos nós, do Rio Grande do Sul, ficamos a cada ano, tal como urubus, numa expectativa de cataclismas de outros países que possam beneficiar nossa produção. Este ano, por exemplo, a nossa esperança, era a de que uma grande geada destruísse a safra de soja dos Estados Unidos, para que os produtores brasileiros fossem beneficiados".
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No painel sobre "a política energética e os Estados do Sul", após uma monótona conferência do general Danilo Montenegro, presidente da Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras, sobre a política energética do carvão - com centenas de dados que a platéia não chegou a absorver, uma questão particularmente interessante foi colocada: o posicionamento contrário de Santa Catarina e Rio Grande do Sul a que o planejado gaseoduto entre a Argentina e o Brasil venha a ter sua entrada por Foz do Iguaçu. Razões de ordem econômica e técnicas foram lembradas para provar que se tal, faraônica, obra vier a ser concretizada, a mesma tenha seu segmento pelo Rio Grande do Sul, passando por Santa Catarina e chegando ao Paraná. O mais ardoroso defensor da idéia é o industrial Norberto Ingo Zadrozny, presidente da Artex e secretário de planejamento de Santa Catarina, que, junto com seu colega, Romeu Ramos, secretário de minas, do Rio Grande do Sul, e demorou em exposições sobre o carvão coo fonte alternativa de energia. Já o engenheiro Paulo Precopiak de Aguiar, presidente da Copel, lembrando que no Paraná, o carvão - como fonte de energia, é uma possibilidade remota (afinal, nossas reservas significam menos de 5% no panorama nacional), se concentrou na defesa das hidrelétricas, e deixou de falar nas possibilidades do xisto betuminoso.
Motivo para que o jornalista Vânio Coelho, ex-repórter de O ESTADO (1960/64), mas há 15 anos na assessoria da Petrobrás, atualmente radicado em Florianópolis, fizesse, oficialmente, uma intervenção, estranhando o descrédito que Procopiak dá ao xisto betuminoso. E Vânio, com um telex recebido horas antes, ofereceu alguns dados: a Usina de São Mateus do Sul já consumiu US$ 550 milhões e, até começar a produzir 650 milhões de barris/óleo, exigirá aplicação de mais US$ 2,5 milhões. Procopiack, sinceramente, e também usando uma resposta direta (assim coo a pergunta lhe foi formulada), garantiu:
- Eu não desacredito das possibilidades do xisto betuminoso. O que eu não acredito é que em 3 anos, a usina de São Mateus do Sul venha a ter esta produção. Além do mais porque dois milhões e meio de dólares é uma soma extraordinariamente grande e já tenho informações off records, de que o dinheiro para tais investimentos começa a ser restringido.
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O seminário Rumos do Sul foi idealizado pelo presidente Thomas Edison Vieira há mais de 3 anos, com a primeira edição realizada em Porto Alegre, em 1980. O encontro de Florianópolis seria realizado no final de julho, e estava tudo programada quando, cinco dias antes do evento, houve o trágico acidente com o avião do Bamerindus, onde morreram Thomas e Enock Vieira, presidente e vice do conglomerado. Assim, retardado em três meses, este encontro para discussão das perspectivas da economia regional teve um significado também de referência a memória dos dois empresários-banqueiros que acreditavam na necessidade de um debate a nível de primeiro escalão de problemas econômicos. Coincidentemente, foi este também o primeiro encontro, de um nível maior, que o novo presidente do grupo Bamerindus, José Eduardo de Andrade Vieira, 43 anos, teve com jornalistas da área econômica e mesmo muitos empresários e autoridades, que não o conheciam pessoalmente. Afinal, como executivo que vinha preparando a expansão do Bamerindus ao Exterior, José Eduardo Vieira passou os últimos anos no estrangeiro, tendo poucos contatos no Brasil. Sua presença informal, afável e simpática em todos os painéis - assim como o corajoso pronunciamento que fez na instalação, proporcionou aos convidados do seminário, conhecer suas posições em relação ao momento político-econômico atual, tendo grande repercussão o seu pronunciamento na abertura.
As afirmações feitas por José Eduardo Vieira, como presidente do Bamerindus, na sessão de instalação do seminário "Caminhos do Sul", tiveram natural repercussão nacional:
- "Todos sabemos que o País vive, aqui e agora, um tempo de transição sob condições extremamente delicadas. O volume de problemas que se acumulam e entrechocam, atinge limites verdadeiramente assustadores. Na conjuntura, o mais grave, sem sobra de dúvida, é a semente da insatisfação social que vem dando sinais reveladores de sua existência em amplos bolsões do povo brasileiro (...). A inflação é um caldo de cultura de todas as revoltas, é o centro de polaridade, seja para o governo que a combate com todos os meios que dispõe, seja para a população que sente na carne, o aviltamento progressivo do seu dinheiro".
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O seminário Rumos do Sul, prestigiado com a presença de presidentes e diretores das mais importantes empresas e organizações do Sul - a delegação do Paraná foi das mais representativas - teve, antes de tudo, um sentido e levantamento de questões. Mesmo que forma rápida, provocado pela própria exiguidade de tempo, nos três painéis - e na sessão de encerramento, se discutiu muito a relação iniciativa privada x governo e, de certa forma, todas as vozes concordaram naquilo com que, já na sessão de instalação, o presidente do Bamerindus lembrou:
- "Ninguém desconhece a necessidade de uma urgente revisão na discriminação constitucional de rendas, com vistas a uma existência mais dinâmica e vigorosa dos Estados e municípios. O estrangulamento dos orçamentos Estaduais e municipais, tem sido constante motivo de preocupação. Não estaremos pensando corretamente no futuro democrático do Brasil se fizermos uma revisão da estrutura federativa, que assegure aos Estados e municípios maior autonomia, a partir da revisão da partilha tributária".
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