"O Corpo"e "Vagabundo" são os favoritos na premiação
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de julho de 1991
Brasília - Dia de encerramento de festival é de clima de suspense. Desde a noite de ontem - após a exibição dos últimos filmes em disputa pelos 25 Candangos - nome oficial dos troféus - os curtas "Mano a Mano" de Eduardo Caron e "O Inventor", de Mirella Martinelli) e o longa "Matou a família e foi ao cinema", de Neville de Almeida - aumentaram as apostas na bolsa de premiações. Nos salões e corredores de Kubitschek Plaza - a sede deste 24o. Festival - desde nomes famosos - até os pentelhos que são atraídos pelo glamour da festa - fazem suas previsões de quem tem mais chance de levantar os apetitosos cheques (no total, mais de Cr$ 30 milhões) e os troféus.
Mesmo reunindo todos os dias, em acaloradas discussões para analisar os concorrentes, o júri do festival - integrado pelo fotógrafo e diretor Adriano Cooper, documentarista Wladimir de Carvalho (que substituiu a Walter Lima Jr.), o músico e compositor Jacques Morelembaum (autor da trilha de "A República dos Anjos"), roteirista Alcione Araújo e atriz Maria Silviam optou por trabalhar na madrugada para chegar a uma conclusão, já que alguns integrantes teriam que viajar hoje pela manhã. Discretos, nenhum dos membros do júri deixou passar qualquer dica que permita prognósticos oficiais, correndo assim as especulações com uma grande margem de dúvidas. O resultado sairá apenas hoje à noite.
"O Corpo", do paulista José Antonio Garcia, 35 anos - em seu primeiro trabalho-solo (após três parcerias com Ícaro Martins: "Olho Mágico do Amor", "Onda Nova" e "Estrela Nua"), divide com "Vai Trabalhar Vagabundo II: A Volta" , de Hugo Carvana as preferências. Ambos são fortíssimos candidatos a melhor diretor, sendo que Carvana também pode embolsar mais um milhão como melhor ator - ao qual outro candidato é Antonio Fagundes ("O Corpo"). "Matou a família e foi ao cinema" - o momento de maior apelo sexual do Festival, com a nudez (não condenada) de belas mulheres - Claudia Raia, Louise Cardoso, Karla Ignez (ninfeta que circula há cinco dias no hotel, sempre ao lado do diretor Neville), Ana Beatriz Nogueira ("Vera") - talvez se habilite a prêmios de fotografia (Tadeu Ribeiro) ou trilha sonora (Armandinho e Zeon Assunção, com canção tema do Lobão e Ivo Meirelles), embora nestas categorias tente "O Corpo" (do paranaense Paulo Barnabé) e, principalmente, "Vai Trabalhar, [Vagabundo] II" (de Sérgio [Sarraceni]), com duas canções do Chico Buarque (que aparece também como ator, no papel de Julinho Adelaide, pseudônimo que usou para enganar a censura nos anos da ditadura) sejam candidatos ainda mais fortes.
Os protestos de respeitáveis expedicionários - que compareceram fardados, distribuindo manifestos - também projetado na tela, antes da exibição e com a bandeira nacional, do "Rádio Auriverde" mereceram aplausos de grande parte do público presente - embora também tivesse aparecido alguns poucos que concordam com a forma que S. Back tratou a participação da FEB na II Guerra Mundial.
Praticamente massacrado pelos críticos, "Sua Excelência, o Candidato", do paulista Ricardo Pinto e Silva, pode acabar tendo algum prêmio de consolação - se o júri procurar, paternalisticamente , agradar todos os participantes. Só que se o prêmio de melhor coadjuvante for para o veterano Renato Consorte ninguém deve reclamar: sua interpretação é a melhor desta comédia popularesca, quase um veudeville, inspirada na peça de Jandira Martini e Marco Caruso.
Marieta Severo, que ficou menos de 12 horas em Brasília na sexta-feira, é a candidata certa para o prêmio de melhor atriz: interpretando a trambiqueira Carmem em "Vai Trabalhar, Vagabundo" e a esposa Carmem de Antonio Fagundes em "O Corpo", é imbatível. No máximo, pode dividir a premiação com a roliça e simpática Claudia Gimenez - uma espécie de Marianne "Bagda Café" Sagebretcht tupininquim - que em "O Corpo" divide, com ternura e emoção o delicioso menage-a-treis neste filme inteligente, bem realizado - excelente roteiro (também o candidato certo) do argentino-carioca Alfredo Orez, que de um conto de 10 páginas de Clarice Lispector (1925-1977) extraiu um script perfeito - repetindo aliás o que já havia feito em 1985 com "A Hora da Estrela" de Suzana Amaral - que saiu de Brasília naquele ano com 12 premiações. "O Corpo", por sua qualidade, inteligência e excelente acabamento - e que merece registros mais extensos do que esta simples informação -pode-e será justíssimo - o mesmo êxito da anterior adaptação de Lispector, escritora considerada por anos como "infilmável". José Antonio Garcia, numa produção de Cr$ 500 milhões, que se arrastou por três sofridos anos, prova o contrário. Maliciosamente excitante - sem qualquer cena de sexo apelativo, irônico, com personagens excelentemente bem adaptadas, "O Corpo" foi o filme que mereceu mais simpatia da platéia mais refinada e inteligente.
"Vai Trabalhar Vagabundo II " concorre bonito também a melhor cenografia, trabalho esmerado de Cristiane Amaral, embora Felipe Cresciante ("O Corpo" - bastante conhecido pelos seus trabalhos desenvolvidos em Curitiba, nas encenações operísticas e teatrais de Marcelo Marchiere, seja outro candidato forte.
"[Ameríndia] - Memória, Remorso e Compromisso no V Centenário "do padre Conrado Berning, em sua proposta de documentação latino-americana da destruição da raça indígena, por certo sairá com alguma premiação especial. Afinal, tanto o "Correio Brasiliense", como o "Jornal de Brasília" - que dedicam diariamente de 3 a 4 [páginas] ao Festival (além de terem editados suplementos especiais)[instituíram] premiações [divididas] já na noite de ontem pela crítica. A Kodak também vai oferecer negativos e copiagem para os melhores filmes e outras premiações especiais podem aparecer.
Enfim, um festival sem escândalos e protestos - um dos poucos foi a leitura ontem de um manifesto de apoio à Cinemateca do MAM, fechada há dez dias - a noite de encerramento sempre pode ter surpresas.
LEGENDA FOTO - O diretor de "O Corpo", José Antonio Garcia e Cláudia Gimenez:
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