E quando é que chegarão os filmes dos festivais?
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de julho de 1991
Encerrado mais um festival de cinema brasileiro- e próximo a dois outros eventos importantes que continuarão a movimentar o setor (Gramado, a partir de 5 de agosto e, de 20 a 26 de setembro, a XVIII Jornada Internacional de Cinema da Bahia, em Salvador), uma questão natural que se discute é a de quando os curtas, médias e, ao menos, longas que são levados a estas mostras competitivas poderão serem também vistos e julgados pelo público?
No último dia do 24o. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em rodas informais ou mesmo encontros mais organizados, discutia-se a questão de como fazer chegar aos circuitos comerciais os filmes que, com tanto sacrifício, foram finalizados para este (e outros) festivais e que, correm o risco de, a exemplo do que aconteceu nos últimos dois anos, permaneceram sem lançamento. Se na época em que o Concine e Embrafilme tinham recursos e poder, com estruturas bem montadas, os curtas só chegavam aos cinemas por força de uma lei hoje totalmente descumprida - e os longas, mesmo quando lançados, raramente obtinham boa resposta comercial, atualmente a situação é caótica. Tanto é que desde o final de 1989 - antes mesmo do presidente Collor ter extinto, a 16 de março de 1990 a Embrafilme, praticamente os filmes nacionais desapareceram das telas.
"Stelinha", de Miguel Farias Jr. , mesmo com todos os elogios e premiações obtidos em Gramado, em julho do ano passado, esperou até maio último para ser lançado por Luís Severiano Ribeiro em alguns [dos] cinemas do Rio. Apenas 3 mil espectadores levaram a sua imediata substituição, num desânimo tão grande que até o executivo da área distribuição-exibição desta poderosa cadeia (que domina dezenas de salas em vários estados), Marco Aurélio Marcondes, animou-se a comparecer ao debate sobre "Novos Caminhos" no seminário "Cinema Brasileiro, Urgente" - realizado no Kubitschek Plaza, durante três dias.
Ironicamente, o filme mais vaiado pelo público e criticado pela imprensa - a refilmagem de "Matou a família e foi ao cinema"- que Neville de Almeida fez sobre a experiência udegrudi de Júlio Bressane (1969) será, possivelmente, o primeiro a chegar ao circuitão. O distribuidor/exibidor Hugo Sorrentino - que foi a Brasília participar do seminário - associado a Columbia Pictures já tem pronto o esquema para este filme de cinco episódios, com muito sangue e, sobretudo sexo (especialmente lesbianismo) com algumas das mais bonitas atrizes do cinema e televisão (Cláudia Raia, a mais vaiada do festival; Louise Cardoso, Mariana de Moraes, Maria Gladys, Karla Ignez, Ana Beatriz Nogueira), possa repetir em termos de bilheteria a performance que o mesmo diretor Neville de Almeida, 50 anos, conquistou há 16 anos com "A Dama da Lotação", baseado em Nelson Rodrigues e no qual a nudez de Sônia Braga fez com que as rendas fossem generosas.
Em compensação, um documentário cristão, emotivo e profundo como "Ameríndia"- do padre Conrado Berning - melhor filme segundo o júri popular (e premiado também por sua fotografia), só chegará a circuitos especiais, a exemplo do documentário anterior do mesmo realizador "Pé na Estrada", sobre a teologia da libertação - e que foi visto em Curitiba porque na época existia na coordenação de cinema da Fucucu um homem que amava e prestigiava o bom cinema brasileiro, Francisco Alves dos Santos.
"Vai Trabalhar Vagabundo II: a Volta", para o qual Hugo Carvana esperava mais prêmios do que apenas o que lhe foi dado como ator e o de melhor coadjuvante (Andréa Beltrão), pelo seu humor, simpatia e bom elenco - além de uma explêndida trilha sonora com duas canções de Chico Buarque (que participa como ator) pode fazer boa carreira, se tiver distribuição ágil - o que até agora ainda não foi definido. Idêntico caso do grande premiado do Festival - "O Corpo" de José Antônio Garcia - e a comédia popularesca "Sua Excelência, o Candidato", que se conquistar 5% do êxito que a peça de Jandira Martini e Marcos Caruso - na qual foi inspirada, obteve (cinco anos em cartaz, prêmio Moliére) permitirá que o jovem (31 anos) Ricardo Pinto e Silva possa devolver a sua família (e do produtor Caito Junqueira os Cr$ 500 milhões que investiram na produção), aliás o único longa-metragem rodado durante o ano passado em São Paulo.
LEGENDA FOTO - Apesar da nudez das belas Cláudia Raia e Louise Cardoso, "Matou a família e foi ao cinema" foi o filme mais vaiado em Brasília. Entretanto, no circuito comercial, deve fazer boa renda.
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