O grito de alerta na tristeza do garotinho
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de outubro de 1986
No bombardeamento de mensagens comerciais via televisão, poucas vezes a emoção está presente. Na poluição de consumismo que faz com que se anestesie sentimentos & mentes a publicidade é imediata e tem o lucro como (única) meta. Portanto, quando há um momento diferenciado, humano e profundo, o espectador (re)humaniza-se frente ao vídeo - frio e implacável.
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Há duas semanas no ar, um tape institucional da Provopar dentro da campanha "Violência contra a criança, não", tem levado, muitos, às lágrimas - ou, no mínimo, a um nó na garganta.
Uma mensagem curta, na qual um garotinho, bem vestido, olhar triste, diz um texto sobre a violência dos adultos contra as crianças. Um exemplo de mensagem que toca e emociona a cada um de nós.
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A precisão do texto, a perfeita interpretação do menino - o feliz recurso de utilizar um espelho - quebrado ou recompondo-se, nas duas diferentes versões da mensagem, fazem desta produção institucional um candidato sério a ganhar medalha de ouro na promoção Colunistas, em nível nacional. Em nível estadual não vai concorrer, porque a publicitária responsável pela criação, Júlia Inah Paim Santiago, desde 1984, desgostosa com os critérios da promoção no Paraná, decidiu não mais inscrever peças de sua agência - a Jips - em âmbito regional.
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Realizado nos estúdios da R.B.S., em Porto Alegre (que, entre 8 produtoras consultadas foi a que ofereceu melhor preço), esta mensagem custou muitas horas de criação da equipe comandada por Julinha Santiago. O garoto Danilo Alcazar, 12 anos, de São Paulo - escolhido entre 14 opções - não poderia ser mais perfeito na composição da imagem humana, profunda e emocionante. A criação, em texto e arte, de José Oliva, 36 anos e Infantil Benedito Júnior, 24 anos, também foi perfeita. Só nos estúdios, foram 12 horas de tomadas pra chegar a um resultado final desejado - supervisionado por Júlia, gaúcha de Itaqui, há 15 anos no mercado publicitário em Curitiba.
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Dona de uma das melhores agências da cidade, detendo poucas mas expressivas contas - entre elas a do Carrefour (que triplicou suas vendas), Júlia Santiago, mãe de uma menina de 6 anos, Juliana, fez mais do que um simples trabalho profissional ao criar o tape que as estações de televisão estão veiculando gratuitamente. Realizou um trabalho que resgatou a dignidade do comunicador social, ao fazer uma peça que age como uma bofetada na inconsciência de tantos sobre um dos maiores problemas de nosso País: a violência contra as crianças.
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Julinha Santiago conta que ao pesquisar dados da Sociedade Paranaense de Pediatria, em seu relatório de 1985, para a criação da campanha (desenvolvida também em anúncios, folhetos e outras peças) se chocou com a dura realidade: 10 crianças em cada mil são maltratadas. Destas crianças, 2 a 3% morrem em decorrência dos maus tratos. A mortalidade é igual à da leucemia. A maior parte das agressões corporais registra-se contra menores de 7 a 14 anos (70%), sendo 10% em menores de dois anos de idade. Os abusos sexuais entre 7 e 14 anos correspondem a 67,3%, sendo 31,7% entre 2 e 7 anos, e 1% abaixo de 2 anos de idade.
No período de 1982 a 1985, dos óbitos registrados no País, em decorrência dos maus tratos, 36,5% ocorreram entre 7 e 14 anos, 27% entre 30 dias e 2 anos, 27% entre 2 e 7 anos e finalmente 9,5% abaixo dos 28 dias de idade.
São números que falam por si. A imagem da criança no vídeo, com o espelho esfacelado ao fundo, fala e grita uma verdade que muitos teimam em ignorar.
Com esta mensagem, há um grito de alerta para todos nós.
LEGENDA FOTO - Danilo, a emoção no vídeo.
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