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Aramis

A orquestra bem regida

Aos 43 anos de idade, 9 de atividades profissionais intensas em que levou 9 peças (2 infantis) em 790 temporadas, percorrendo 253 cidades de 4 Estados (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo) e sendo assistido por um público de 7.900.000 (3.100.000 crianças), Roberto Menghine atinge a maioridade artística com "Orquestra de Senhoritas" (Teatro do Paiol, até o dia 27 de março). Uma das mais agradáveis surpresas deste início de temporada, a encenação do texto de Jean Anouilh, em que Menghine se empenhou por mais de dois meses de puxados ensaios, resultou num espetáculo bem acabado, profissionalmente correto e que, fazendo o público rir em muitos momentos, contém uma visão amarga do ridículo da vida, do outono de pessoas simples, mais do que caricaturas, seres humanos que provocam ternura e emoção no espectador sensível. A primeira vista a idéia é grotesca: homens interpretando velhas musicistas que tocam num café-concerto, numa estação de águas na França em 1947. A idéia de atores transvertidos foi utilizada em Paris, quando "L Orchestre" estreou no início dos anos 60, foi repetida na montagem argentina e mantida na encenação feita por Luis Sérgio Persom (1936-1976) em São Paulo, em 1975, dando ao ator Paulo Goulart, no papel de madame Hortense, o troféu Moliére. O admirável texto de Jean Anouilh (Bordeaux, 1910), dramaturgo francês, autor de peças como "A Cotovia" (1953) e "L'invitation au chateau" (1947), sustenta, sem dúvida, o espetáculo e na montagem que os curitibanos assistem agora (e que naturalmente será levada as principais cidades do Sul), Menghine procurou manter-se fiel ao autor, impedindo que em nome da suposta "criatividade" retirasse do espetáculo o que ele tem de mais importante: a crônica triste de um grupo de pessoas solitárias, enganando-se a si mesmas. O ambiente e os personagens sugerem toques de Fellini, que aliás em seu 8"1/2" fazia algumas sequências num café-concerto onde se exibia uma orquestra de senhoritas. Sem aprofundar-se nesta linha de visão do espetáculo, Menghine obteve, entretanto, momentos de imensa ternura, como o cortante diálogo entre Suzanne e Leom, sozinhos no palco. Aparentemente cômico, chega a ser trágico certos momentos que provocam hilariedade de platéia. Por exemplo, o longo diálogo entre Patrícia (Celso Filho) e Pamela (Roaldo dos Anjos), nas escatológicas revelações mãe-filha. Aliás, lamentável que o público não descubra o humor fino e inteligente de certas passagens e só "divirta-se" com os palavrões, todos aliás, dentro do espírito do espetáculo e cuja manutenção felizmente foi permitida. Da abertura féerica ao som do clássico "I Love Paris" (Cole Porter) ao triste final, com "Plaisir d'amor", dentro da filosofia de que "o espetáculo deve continuar", "Orquestra de Senhoritas" tem na trilha sonora, criada por Mauro Giorgetti, mais do que um complemento, uma participação dramática. A perfeita gravação em fita e a dublagem ajustada - o que deve ter custado muitas horas de ensaios - faz com que neste aspecto o resultado seja irrepreensível. Méritos portanto que devem ser creditados ao sonoplasta Cesarti. Beto Bruel, um dos mais disputados iluminadores do teatro paranaense, mesmo com as deficiências técnicas do Paiol, conseguiu belíssimos efeitos - integrados a dramaticidade ou ao (aparente) humor de cada momento. E no elenco - o maior desafio. Sem resvalar para a androginia, todos os sete atores convocados por Menghine saem-se bem, do humor comunicado de Celso Filho e Roaldo dos Anjos, duas revelações (embora já com experiências anteriores) as difíceis interpretações de Airton Miller (Suzanne) e Lucio Weber (Leon), num papel que pode derrubar qualquer ator. O tenso papel masculino é para o bom Lucio Weber, um ator de mais de 20 anos de palcos e picadeiros (como palhaço "Gabiroba") um grande esforço. Edson D'Avila, como "Mme. Hortense" teve outro difícil papel - equilibrando-se entre o caricato e o dramático. Clovis Aquino (Ermelinda) e Sansores França (Leona), em intervenções menores, compõe bem. Muitos que assistiram a encenação de Luis Sérgio Persom, (um ano de sucesso em São Paulo) consideram o trabalho de Menghine do mesmo nível. Não vimos aquela montagem e portanto não nos atrevemos a tal comparação. Mas, dentro do possível, Menghine conseguiu realizar um espetáculo decente - que diverte aqueles que só buscam passatempo no teatro, mas também faz pensar e emociona aos mais sensíveis. Como num filme de Fellini.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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20/03/1977

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