Além do Arco-Iris
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de agosto de 1975
A temporada de "Os Rapazes da Banda" (auditório Salvador de Ferrante, 21 horas, hoje e amanhã) com sucesso de público e sem maiores protestos dos setores tradicionalmente conservadores, veio demonstrar que alguma coisa está mudando na mentalidade dos mais puritanos. Se há seis anos, entidades feministas exigiram a interdição do Teatro Guaíra para que Tonia Carrero não apresentasse a visão de Plínio Marcos do dia-a-dia (ou noite a noite) de uma pobre prostituta (Norma Suly) no vigoroso "Navalha na Carne", para este "Boys of the Band", não se registraram maiores polêmicas. Pelo contrário, comparecimento maciço de público, inclusive casais idosos, que não deixam de entender a seriedade do texto de Mart Crowley.
Autor de uma peça só (ao menos desconhece-se qualquer outro trabalho de sua autoria, bem como dados a seu respeito), Crowley foi profundamente feliz no enfoque que deu a longa noite de solidão, agressão & autoconfissão de um grupo de sete homossexuais, reunidos numa gay party para comemorar o aniversário de um deles (Haroldo, interpretado por Sansores França). "Rapazes da Banda" é uma peça que faz o público rir, mas que, pouco a pouco, vai conscientizando o espectador da solidão, do desespero, do mundo cinzento do homossexual. Amargo, incisivo como uma navalha, os diálogos de Crowley vão abrindo o coração dos rapazes da banda para o espectador. Um texto tão vigoroso, tão marcante, que resiste mesmo às limitações de qualquer montagem. Sua encenação, não deixava de constituir um desafio a Oracy Gemba, vindo de montagens mileneanas, com o forte no musical. Logicamente, Gemba não esquece sua vocação musical nesta encenação: a trilha sonora, com duas canções básicas ("Summertime", 1935, de George-Ira Gershwin e "Over The Rainbow", 1939, de Hanburg e Harold Harlen, na voz de Judy Garland) é utilizada de forma dramática, conseguindo passar para o espectador, a nostalgia, a solidão, o desespero de ver o tempo passar, por parte dos rapazes em seu mundo limitado - da agressividade debochada de Bernardo (Danilo Avelleda), David (Clóvis Aquino) e Arthur (Felipe Freyre) e aparentemente descrição de Douglas (José Basso) e Donald (Airton Muller). A Miguel (Roberto Menghine), dono do apartamento e anfitrião da gay party, é reservado um papel mais difícil, uma espécie de mestre de cerimônias de um circo de horrores da cuca, que com uma espécie de chicote de palavras, pouco-a-pouco, como um domador, vai fazendo todos os presentes se despirem em seus recalques e frustrações. Nisso não é poupado nem o inesperado convidado, Alan McCarthy (Florisval Gomes), possivelmente o personagem mais denso e complexo do texto, em sua inquietação e desespero. Pena que, talvez, o espectador menos observador não entenda toda a importância de Alan dentro do contexto do espetáculo, apesar de Florisval empenhar-se ao máximo em sua criação dramática.
Dentro dos recursos que contou, Gemba conseguiu bons resultados, embora tenha "criado" uma cena totalmente gratuita e desnecessária: ao som de "Summertime" na hora do jantar, os rapazes devoram vermelhas salsichas, sob gargalhadas da platéia. Apesar da intenção cômica da rápida seqüência ela quebra o ritmo de seriedade do espetáculo, como se num concerto de peças de Bartok se introduzisse um solo de acordeom de Teixeirinha. O próprio Menghine, se queixa:
- Além de ter que comprar todas as noites um quilo de salsichões o elenco detesta cachorro-quente!
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