Os garimpeiros do cinema brasileiro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 21 de julho de 1984
Estevão Rainer Von Harbach, 34 anos, o maior apaixonado pelo cinema americano entre nós, dono de preciosa filmoteca com inúmeros clássicos e crítico bissexto de cinema, descobriu, anos atrás, que um curitibano, Arthur Rogge (1896-1974), não só tentou implantar uma produtora cinematrográfica em Curitiba nos anos 30, como viajou a então florescente Hollywood. Ali fez um documentário precioso, existindo inclusive uma cópia em poder de Estevão - mas em estado tão precário que a não ser submetendo-se a um caro processo de restauração não tem condições de ser exibido.
Há três meses, Estevão habilitou-se a uma das bolsas oferecidas pela Embrafilmes para aprofundar as pesquisas sobre Arthur Rogge e sua tentativa de aqui fazer cinema (seu equipamento, nos anos 40, foi adquirido pela Atlanta), mas, infelizmente, o seu projeto não teve aprovação. Entretanto, o bom material já reunido, lhe possibilitará mais cedo ou mais tarde fazer um resgate histórico de mais este pioneiro esquecido na história de nosso cinema.
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Como Estevão, existem Brasil afora alguns outros apaixonados pela pesquisa cinematográfica, preocupados num trabalho de garimpagem dos homens que, a partir do início do século, tentaram fazer cinema no Brasil. Na maioria das vezes acabaram tendo prejuizos, desiludindo-se e perdendo inclusive o material filmado - hoje raros fragmentos existem nas cinematecas do Rio, São Paulo e mesmo Curitiba.
José Octavio Guizzo, 45 anos, que há 21 anos recebeu seu diploma pela Faculdade de Direito da UFPr - marcado ativamente o período em que viveu em Curitiba é o primeiro presidente da recém-criada Fundação Cultural de Mato Grosso do Sul. Embora absorvido com inúmeras atividades, o bom "MT" - sigla carinhosa pelo qual seus amigos o chamavam em seus anos de universitário - tem se revelado um pesquisador cuidadoso, já com um (uns) livros publicados sobre o cinema de Mato Grosso, a nova música de Mato Grosso do Sul, e, agora, lançando um roteiro-tese sobre um importante, embora esquecido, filme realizado em Campo Grande: "Alma do Brasil" (edição do autor, 116 páginas).
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Primeiro livro construído inteiramente sobre um único filme, a ser elaborado por um pesquisador no Brasil, o trabalho de José Octávio Guizzo se constitui numa preciosa contribuição para se fazer justiça a pioneiros - Alexandre Wulfes, e Liberou Luxardo (falecido há alguns anos, em Belém do Pará) que em janeiro de 1932 rodaram "Alma do Brasil", filme de temática relacionada a clássico obra de Visconde Taunay, "A Retirada da Laguna".
Através de cuidadosas pesquisa dos jornais da época, coleção da revista "Cinearte", (que o pioneiro Ademar Gonzaga editava no Rio de Janeiro) e depoimentos com pessoas que participaram do filme, Guizzo reconstituí a difícil produção, seu lançamento em São Paulo e destaca, especialmente, a colaboração que o general Bertoldo Klinger (RS, 1884-SP, 1969), que comandava a região militar de Mato Grosso na época, prestou a sua realização - tornando, aliás possível a conclusão do filme. Klinger aderiu posteriormente a revolução constitucionalista, o que teve reflexos no filme em seus aspectos de distribuição, na época já das mais difíceis.
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O livro de José Octávio Guizzo é esmerado em detalhes, refletindo a seriedade com que o autor se preocupa em suas pesquisas. Embora sem pretensão, oferece importantíssima contribuição a memória de nosso cinema. Os eventuais interessados em conseguirem um exemplar deverão solicitar diretamente ao autor (Rua Rio Grande do Sul, 968, 79.100, Campo Grande, Mato Grosso do Sul).
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Durante o festival de cinema de Gramado, paralelamente ao lançamento oficial da revista "Filme e Cultura", agora em uma fase monográfica, dirigida com eficiência pelo jornalista Cláudio Bojunga, foi lançado também o novo "Guia de filmes". Transformado numa série de fascículos da filmografia brasileiro, o "Guia de filmes" - que sofreu diferentes interrupções e reformulações nos últimos 18 anos - pretende levantar todos os filmes, curta e longa-metragens, realizados no Brasil a partir de 1897. Ao trabalho pioneiro e admirável de Alex Viany, Jean-Claude Bernardet e Araken Campos Pereira Jr. - todos esgotados, Eliana Queiroz, coordenadora desta nova fase de "Guia de Filmes" deseja reunir todos os elementos possíveis, para tornar o mais completo e abrangente possível a pesquisa - nas quais estão envolvidos, entre outros, estudiosos da seriedade de Bernardet, Carlos Roberto de Souza, Maria Rita Galvão, Olga Futemma, José Carvalho Motta. A Cinemateca do Museu Guido Viaro, dirigida por Francisco Alves dos Santos, já deu uma preciosa contribuição neste primeiro volume - que deverá prosseguir nas edições seguintes. Só esperamos que a dificuldade financeira em que se debate a Embrafilmes não faça este projeto a ser cancelado.
LEGENDA FOTO: Guizzo: pesquisando cinema
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