Os roqueiros fazem suas críticas ao nosso Brasil
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 04 de fevereiro de 1988
Dos sambas e marchas carnavalescos que, há mais de 60 anos já traziam nem sempre farpas críticas ao governo e fatos do momento - a tendência cada vez maior dos nossos roqueiros anos 80, em abordarem temas políticos em suas letras, o protesto na MPB comporta - e como! - um longo ensaio (fica aí a sugestão para um dos próximos concursos de monografias "Lúcio Rangel", da Funarte).
Se Geraldo Vandré é hoje uma triste imagem de um passado político, Chico Buarque, Ivan Lins e Gonzaguinha trocaram o protesto e a coragem de denunciar a ditadura militar nos anos 60 e 70 por um belo romantismo - e Milton Nascimento, com letra de Fernando Brandt ("Carta à República") mostra desânimo pela triste realidade nacional, os roqueiros estão apanhando, oportunisticamente, esta bandeira. Só que não dá para comparar tanto ideológica como poética-musicalmente, Chico, Gonzaguinha, Maurício Tapajós e outros exemplos de protesto musical quando a Censura e a repressão era braba, com os roqueiros de hoje.
De princípio, raros foram os que se encorajaram a pisar num palanque político - mesmo após a abertura democrática. Depois, vários insistem em se dizer apolíticos, como repetiu Renato Russo, vocalista e letrista da Legião Urbana, para a revista "Veja", que na semana passada abordou o assunto:
- "Temos nossas opiniões políticas, mas não queremos levantar bandeiras para os outros. Se eu quisesse fazer política, deixaria o palco e tentaria um cargo de deputado".
Mas assim como no auge da repressão, até Raul Seixas com seu "Ouro de Tolo" (1973) chegou a ter significação política de protesto, não se pode ignorar totalmente os protestos dos jovens roqueiros. Que, afinal, traduzem a desilusão de uma nova geração em relação a corrupção, hipocrisia e descrédito dos homens que sucedendo aos militares na condução dos destinos do País, tem revelado total incompetência e despreparo.
Os Titãs ("Jesus não tem Dentes no País dos Banguelas", WEA), Legião Urbana ("Que País é Esse", 1978/79), Paralamas do Sucesso ("Alagados"), até os Inocentes ("Adeus, Carne", WEA), e até um novo grupo chamado Rock Memória ("Sozinho na Cidade", Continental) ou o Camisa de Vênus ("Duplo Sentido"), trazem letras que tentam passar protesto político. Pena que, na maioria dos casos, a eletricidade e os gritos - somados a pouca musicalidade - torne difícil até entender o que os rapazes tentam dizer.
Por exemplo, o "Rock Memory", que tem Fábio como vocalista, em "Constituir uma Revolução" (Eduardo Leão) urra que "Fui convocado eu tenho um encontro marcado / Alguma coisa ainda há pra fazer / Fique ligado, mas alguém será chamado / Tudo indica esse alguém é você / Planalto Central / Alvorada do poder / Poder impotente sem decreto lei / Falam pelo povo / Em nome de um grande ideal / Brincam de justiça social".
Chocante em seu nome há 8 anos (quem diria que a camisinha viraria tema de campanha de televisão), o Camisa de Vênus, em seu novo álbum ("Duplo Sentido", WEA, produção de Pena Schmidt), também dá várias mostras de irreverência política, a começar por "O País do Futuro" (Marcelo Nova / Roberto Santa): "Aqui não tem problema, só se você quiser / Esse é o país do futuro / Tenha esperança e fé / Todo dia lhe oferecem sempre o melhor negócio / Vão levar a sua grana / Vão lhe chamar de sócio (...) / Nós vamos outra vez pro fundo do buraco / Você não tem vergonha / e eu não tenho saco". Menos famosos do que o Camisa de Vênus, os Inocentes ("Adeus, Carne", WEA), chega também protestando com vigor: em "Pátria Amada", grita velozmente: "Pátria Amada... é para você esta canção / Desesperada canção de desilusão / Não há mais nada entre eu e você / Eu fui traído e não fiz por merecer (...) / Pátria Amada... Como pude acreditar / em palavras vazias e promessas soltas no ar / Pátria Amada você me decepcionou / Quando eu lhe pedi justiça, você me negou / Pátria Amada de quem você e, afinal? / É do povo nas ruas / Ou do Congresso Nacional?"
O grupo Zero, formado por Rilcak Villas Boas (baixo), Freday Haiat (teclados), Guilherme Isnard (voz), Eduardo Amarante (guitarra) e Malcolm Glaklev, em seu elepê "Carne Humana" (EMI/Odeon), também deu sua cutucada política em "Abuso do Poder": "Governos vem e vão / E nesse vai e vem promessas mil / Farsantes de plantão / Busca de arruinar o meu País".
E os protestos dos roqueiros se multiplicam. Por exemplo, o Capital Inicial (lp "Independência", Polygram), em "Autoridades", traduz bem este clima de inquietação e mesmo revolta. Mesmo na base da brincadeira, sem profundidade maior, o berro dos garotos não deixa de ser motivo para que os que passaram dos 30 - e tem alguma responsabilidade neste País, passem a ter maior consciência em suas atividades públicas.
"Vou denunciar autoridades incompetentes
Eu quero antes te dizer
Ninguém sabe o que pode te acontecer (...)
Autoridades independentes!
Achamos que vocês não passam de fantoches
Bonecos para brincar".
LEGENDA FOTO 1 - Titãs em seu "Jesus não tem Dentes no País dos Banguelas" são implacáveis nas críticas: "Querem me curar, querem me ensinar como se diz / Mentiras / Mas eu só ouço Mentiras!".
LEGENDA FOTO 2 - Os Inocentes: protestando em "Pátria Amada... você me decepcionou / Quando eu lhe pedi justiça / Você me negou".
Enviar novo comentário