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Aramis

Pantera negra de sensibilidade

AQUI a afirmação se justifica, seriamente e não como blague: "É uma pena que ainda não exista o videodisco". Pois se já houvesse, em escala comercial, a possibilidade de reprodução simultânea do som-imagem, por certo o entusiasmo por Zezé Motta seria ainda maior. Poucas, pouquíssimas artistas brasileiras, surgidas nos últimos anos, trazem para o palco uma carga tão forte de emoção, sensibilidade, dramaticidade, humor, expressão corporal, entonação vocal - enfim, uma soma-síntese de méritos que, sem dúvida nenhuma, a credenciam como a maior revelação do chamado show-biz tupiniquim. Quem assistiu - ou for ainda hoje, ao Teatro do Paiol, o show de Zezé Motta (21 horas, última apresentação), por certo entenderá porque o jornalista Sílvio Lancelotti, na revista "Isto É "; que estava nas bancas até ontem, afirmou: "Zezé Motta, no entanto, me parece indescritível. Mais do que isso - e creiam-me, corro conscientemente o risco de descambar para uma adjetivação além da que já tenho o mau costume faço questão de escrever que não estamos diante, apenas, de uma cantora extraordinária no timbre e na comunicabilidade: Zezé Motta é a maior estrelanegra que a música deste País já teve". Zezé (Maria José Motta de Oliveira, 33 anos) é um feixe elétrico, negro e iluminado de sensibilidade e vida no palco. Difícil o que admirar mais: se a atriz (premiada vários vezes, "Xica da Silva" 1976, de Carlos Diégues), a cantora ou a "show-woman". Ela é capaz de fazer rir, como no brincalhão tema "Rita Baiana", de John Neschling/Geraldo Carneiro (criado para a trilha sonora de "O Cortiço", 1978, de Francisco Ramalho Júnior), mas, sem dúvida, também leva o público a emocionar-se, ao interpretar "Estranho Sorriso" (Gerson Conrad/Paulinho Mendonça), que dedica ao seu irmão, preso político, condenado a 24 anos, "a espera da Anistia". O público, entusiasmado, fica em pé e aplaude a interpretação de Zezé nesta música densa, difícil, dilacerante. Ou, quase ao final, "Postal de Amor" "Raimundo Fagner), ganha uma interpretação totalmente nova, em que a cantora e a atriz se integram na criação de um clima de loucura, inspirado, segundo a própria Zezé, no drama de uma de suas tias, que, enlouqueceu de amor. "Isso aconteceu quando eu tinha 13 anos, e nunca mais esqueci", explica. Zezé abre e encerra com o balançante "Crioula", de Morais Moreira, vai a outros baianos Gilberto Gil ("Esotérico", "Baba Alapala"), Caetano Veloso ("Tigreza") e Dorival Caymmi ("Você Não Sabe Amar", numa belíssima recriação deste clássico tema romântico) e, ao relembrar a música que Jorge Bem fez para "Xica da Silva", intercala alguns diálogos do filme, obtendo nova consagração. Mais uma vez o público se emociona com a atriz, antes do que com a (excelente) cantora. "Trocando em Miúdos" (Francis Hime/Chico Buarque), a mais bela música lançada em 1977, é outro instante em que Zezé prova toda sua versatilidade, fazendo de cada frase um grito de separação. Em termos visuais, "Baba Alapala", com sua força afro, possibilita a utilização de todas as possibilidades de expressão corporal, em que o corpo esguio de Zezé, recoberto de tinta dourada, generosamente oferecido, em sua parte superior, a vista do público, parece também cantar - tal a integração obtida. Amparada num excelente grupo instrumental baiano - "Mar Revolto", tendo ela própria criado toda ambientação e roteiro do espetáculo ( evidentemente que com alguns palpites do empresário Guilherme Araújo, um dos mais astutos managers artísticos do País), Zezé surge como algo de novo num panorama um pouco cansado pela repetição de shows musicais. Como as Frenéticas ou Ney Matogrosso, ela, em alguns pontos, utiliza o humor, a alegria e o deboche somado a um quase choque vocal. Mas, mulher de imenso talento, não fica apenas no visual. Sua voz tem a grandeza das cantoras negras, um sentimento de blues, spirituais e gospels que parece ser privilégio das origens afro. Mas sempre com uma visão brasileira e contemporânea (provas disto são o balanço que imprime em "Dengui" de Leci Brandão, "Sem Essa" de Macalé ou "O Morro Não Engana" de Luís Melodia), oferecendo um espetáculo que, independente de todo o marketing e bom planejamento promocional, segura o espectador do inicio ao fim. Zezé Motta, que explodindo como a personagem título de "Xica da Silva", criou um dos melhores momentos do cinema nacional visto em 1977, é agora, no palco uma prova viva do talento negro, ágil, parecendo ora uma pantera, ora uma cotovia - em seus círculos de 360 graus, dando a pequena arena do Paiol a dimensão de um palco da Broadway. Aquilo que ficou contido em seu primeiro lp (dividido com Gerson Conrad, Som Livre, 1975) e que, finalmente, conseguiu realizar agora em lp da WEA (lançado há 3 semanas e já caminhando para as paradas) tem, no palco, um aumento geométrico, fortalecendo a crença de que há certos artistas que só podem ser entendidos, em toda sua extensão, se aplaudidos ao vivo. Zezé Motta, sem dúvida, é uma delas. E dela, muito ouviremos falar, ainda, temos certeza!.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
21/05/1978

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